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'É um momento difícil para escrever', diz Jorge du Peixe, da Nação Zumbi

Kamille Viola

06/09/2019 18h11

Jorge du Peixe, vocalista da Nação Zumbi e do Los Sebosos Postizos. Foto: divulgação/Deu Zebraa

O projeto Los Sebosos Postizos surgiu despretensiosamente em 1998, um ano depois da morte de Chico Science, criado por integrantes da Nação Zumbi. O que era para ser apenas um show em Recife com as versões do grupo para as músicas de Jorge Ben, sobretudo do período dos anos 60 aos 70 (quando ainda não era Ben Jor), acabou se transformando em um projeto que rodou o Brasil por anos, além de render um álbum, de 2012. Fãs da obra do cantor e compositor, eles adicionaram ciranda, maracatu e dub às suas faixas preferidas da obra do Alquimista.

Agora, eles se debruçam sobre a obra de Bob Marley & The Wailers, em show que chega pela primeira vez hoje, no Circo Voador, em noite que ainda comemora os 30 anos dos também pernambucanos do Eddie (de quem a Nação gravou "Quando a maré encher"). Jorge du Peixe (voz), Lúcio Maia (guitarra), Dengue (baixo), Da Lua (percussão) e Samuca (bateria), da Nação Zumbi, além de Carlos Trilha (teclado) e Pedro Baby (guitarra) formam o Sebosos, que toca músicas do ídolo jamaicano como "Kinky Reggae", "Rastaman Vibration", "Slave Driver", "Stir Tt Up", além de algumas do repertório de Ben.

Jorge du Peixe conta que eles estão gravando um disco com essas canções, previsto para o ano que vem, assim como o próximo trabalho da banda principal da turma, a Nação. "Um momento difícil de escrever, tem que ter cuidado com a caneta", comenta ele. "Você viu aquele documentário que tem no Netflix (sobre Bob Marley), acho que é 'Who Shot The Sheriff'? Parece muito com o Brasil a situação lá. Veja esse documentário e veja a relação com a situação do país agora", indica.

Como foi essa mudança de repertório dos Sebosos de Jorge Ben para esse repertório novo, do Bob Marley?

Tocar Bob Marley não é novidade. A gente ouviu tanto quanto Jorge Ben. A gente sempre ouviu Bob Marley & The Wailers. Reggae é uma coisa que sempre esteve presente. Muito marginalizado, inclusive: tanto hip hop como reggae são coisa de maconheiro. Reggae além da conta… O link é ancestral. Vamos fazer mais um. Difícil também cantar Bob Marley & The Wailers. O cara cantava lá em cima, estou trazendo mais para baixo (o tom), coisas que eu alcanço, meu tom. Inicialmente são 14 músicas no repertório do show, uma hora e alguma coisa. Assim começamos também tocando a obra de Jorge Ben. Tocamos tanta coisa antes até de tocar Jorge Ben, a gente tinha umas gravações sob a alcunha de Los Sebosos. E aí depois que veio a ideia de, como Sebosos, tocar outras coisas, fazer versões e tal. E a ideia estava guardada. Numa viagem dessas recentes, virei: "Pô, já foi, Jorge Ben, gravamos discos, demos um rolê legal. Vamos dar uma mudada agora? Vamos tocar Bob Marley & The Wailers?". Eles se olharam assim: "Alguém já fez." "Não, alguém já fez uma música ou outra. Independentemente disso, a gente vai fazer da nossa maneira." O que vale é isso. E Bob Marley & The Wailers sempre se chamaram de rockers, né? O reggae não deixa de estar ali. "Catch a fire" foi um disco gravado na Jamaica, depois que o (produtor) Chris Blackwell botou um guitarrista americano, para amolecer mais o disco e ficar mais fácil para o mercado americano. Ele teve essa visão, e ele realmente deu um brilho no "Catch a Fire". Ele deixou os caras ensaiando, deixou um dinheiro e nem sabia se o disco ia rolar. Só que o Bob Marley, muito determinado, botou os caras para ensaiar e gravaram. Um grande disco. E até hoje um dos mais ouvidos ao redor do mundo.

Tem uma chance de virar álbum, como o show do Jorge virou?

Já gravamos, antes de ontem e ontem (risos).

Olha, era isso que vocês estavam gravando, então? Em São Paulo?

É, meio na surdina. No Carlos Trilha. Ele está tocando agora com a gente, também.

Tem previsão?

Acho que janeiro. Começamos agora, dá um trampo ainda, acho que ano vem, mesmo. Ainda tem que botar voz depois, gravar o resto coisas. Mas está bem interessante, ficou bonito. Fiquei feliz assim com os trabalhos. Meio corrido: tu gravar 12 músicas em dois dias (risos)!

E disco da Nação?

Está no processo também. Estou na fase de escrever. A ideia não é para este ano mais: a gente pensou que fosse para o segundo semestre deste ano, mas a gente viaja, tem as correrias, outras coisas. A gente está mexendo, acho que no mesmo processo, tem algumas bases em curso. Um momento difícil de escrever, tem que que cuidado com a caneta. Mas estou mexendo nisso, estou fazendo umas bases. Está encaminhado para o ano que vem, também. Não pode parar, né? Agora mais, então, tem que se manter em movimento.

Você estava falando do momento ser difícil para escrever…

Pois é. Nunca vi nada igual. Nunca vimos.

A Nação sempre teve bastante músicas politizadas.

De certa forma. A gente tenta trazer, né? Chico sempre se calçou no social. Ele era muito mais direto. Hoje talvez seja mais implícito. Mas a gente está calçado nisso sempre no palco. Falar sobre é difícil, para um público misturado, que contesta. Se fosse Chico, falaria: "Tu nem presta atenção nas letras, cara! Tu não sabe nem o que ouve. Não me incomodo com o funk, não. Tenho minha postura, minha maneira de pensar. É isso aí. Vá ouvir outra coisa."

Bob também era superpolitizado, né?

Sim, sim. Levou tiro. Você viu aquele documentário que tem no Netflix, acho que é "Who Shot The Sheriff"? Parece muito com o Brasil a situação lá. Veja esse documentário e veja a relação com a situação do país agora. Eles divididos lá, esquerda e direita, e ele teve que sair da Jamaica uma época, depois que levou um tiro ali (na noite de 3 de dezembro de 1976, sete homens armados entraram na casa do cantor de reggae e deram mais de 80 tiros; a mulher dele na época, Rita Marley, levou um na cabeça, Bob levou outro no coração e o agente do artista levou cinco na barriga, mas ninguém morreu). Mas alguns falam que ele tomou um tiro não por causa da política. Naquela época, ele tinha um amigo chamado Allan Cole, que era um parceiro dele ali. Allan Cole ficou um em tempo em Recife, ele foi jogador do Náutico, você sabia disso? Dizem que ele levou um tirou porque Allan Cole era apostador de corridas, tem várias histórias, e ele sem sair da ilha, Bob Marley levou um tiro por causa do cara. Já outros dizem que a história era por represália de um outro político, que ele estava fazendo uma campanha… Bob Marley voltou para a Jamaica para tentar fazer as coisas mudarem.

Vai lá:
Los Sebosos Postizos + Eddie
Quando: Sexta-feira, 6 de setembro, às 22h (abertura dos portões)
Onde: Circo Voador. Rua dos Arcos, s/nº – Lapa
Quanto: R$ 60 (meia-entrada e pessoas com 1kg de alimento, 2º lote) e R$ 120 (2º lote)

Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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