Rio Adentro http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua. Fri, 13 Mar 2020 21:26:18 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 ‘O racismo é base do capitalismo, é como ele se estrutura’, diz Siba http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/03/13/o-racismo-e-base-do-capitalismo-e-como-ele-se-estrutura-diz-siba/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/03/13/o-racismo-e-base-do-capitalismo-e-como-ele-se-estrutura-diz-siba/#respond Fri, 13 Mar 2020 15:00:21 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1386

Siba traz seu novo show ao Rio pela primeira vez. Foto: divulgação/José de Hollanda

Em setembro do ano passado, Siba lançou seu terceiro trabalho solo, ‘Coruja muda’. Produzido pelo próprio artista e João Noronha, o álbum combina referências o cantor e compositor pernambucano como a cultura popular da Mata Norte daquele estado, como o maracatu, a ciranda e, sobretudo, o coco. Norteia o disco uma reflexão sobre o espaço indefinido que existe entre gente e bicho.

O artista questiona o que define para nós quem é ou não gente, quem tem ou não direito a ser tratado como gente. Por exemplo: quando o racismo busca diminuir a humanidade de alguém. “Esse é o ponto do disco, não que eu ache que eu quis ou que eu tente resolver o assunto, chegar numa posição clara, esgotar, mas eu tentei me nortear por essa pergunta, para justamente tentar elaborar um olhar mais abrangente sobre a questão política que a gente vive”, explica ele.

No trabalho, que ele apresenta pela primeira vez na cidade, no Museu de Arte do Rio, o artista também foi buscar inspiração nas sonoridades africanas, como é o caso de “Azda (Vem batendo asa)”, versão de um jingle gravado pelo guitarrista congolês Franco, e “O que não há” (que traz as participações de Alessandra Leão, Mestre Anderson Miguel e Renata Rosa), influenciada por Franco e sua banda OK Jazz.

Ele conta que não pensava em falar especificamente sobre política, mas a realidade atual do Brasil acabou influenciando as canções. “O que não há”, por exemplo, é uma crítica a classe média brasileira. “Carcará de gaiola” é considerada referência ao presidente Lula, que estava preso na época do lançamento do álbum.

Esse é um lugar sempre muito delicado, que exige do artista que ele se pense e seja honesto, porque a função do artista é buscar oferecer para o público um ponto de vista fresco e renovado de uma realidade que ele enxerga. A nossa função não é propriamente mudar o mundo nem necessariamente interferir diretamente na dimensão política do espaço. Mas tudo o que a gente faz tem uma dimensão política que se impõe, a gente queira ou não ter consciência dela”, analisa Siba.

Sua arte também se mistura com política com o próprio trabalho de pesquisa de ritmos populares brasileiros. Em 1992, fundou o grupo Mestre Ambrósio, um dos nomes do mangue beat. Em 2002, com o fim da banda, Siba se mudou para Nazaré da Mata, na Zona da Mata pernambucana, considerada a capital do maracatu. Lá, entrou em contato com artistas populares de diversas gerações e fundou uma banda com a qual lançou o álbum ‘Fuloresta do Samba’ (2002). Esse se tornaria o nome do grupo que o acompanharia. Ele se tornaria, ainda, mestre de maracatu.

Em seguida, vieram ‘No baque solto somente (2003)’, em parceria com Barachinha, um dos mestres do maracatu rural, que conta com a participação de Fuloresta do Samba; ‘Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar’ (2007), de Siba e a Fuloresta do Samba, e ‘Violas de bronze ‘(2009), em parceria com o violeiro Roberto Corrêa.

Em 2012, foi a vez de ‘Avante’, disco solo que marca uma nova sonoridade em seu trabalho, com o encontro dos ritmos populares e a formação clássica de banda de rock, com baixo, guitarras e bateria. ‘De baile solto’ (2015) segue pelo mesmo caminho. “Sinto que, no ‘Coruja muda’, eu resolvo todos os problemas de síntese musical e formulação musical que estavam presente desde o ‘Avante'”, analisa ele.

Ele aponta que a cultura popular, no Brasil, é vista como algo pertencente ao passado. “De todas as dimensões dessa problemática, essa é a mais cruel. Essa é a que joga dentro do senso comum, e é feito por todos nós, que todo esse Brasil não oficial está no passado. E esse que está no presente, a cultura popular que consegue furar os bloqueios todos e ter um agenciamento do presente, ou seja, dá certo, inclusive em termos até mercado, como o funk é o melhor exemplo, a gente naturaliza toda uma gama de ferramentas de exclusão e de violência em cima dela”, denuncia. “É uma coisa muito profunda, um problema muito sério de base, do nosso país, e eu sempre tive que lidar com isso dentro da trajetória do meu trabalho”, diz. 

Como é que tem sido a turnê até agora? Apresentar esse trabalho ao vivo?

É um trabalho novo, ele é diferente do meu anterior em vários aspectos e, ao mesmo tempo, desenvolve especialmente as sínteses musicais do outro, de um jeito talvez mais bem-resolvido. Então, para mim, tem uma continuidade mesmo de escuta e atenção e interação com o público que já conhece. Nesse sentido, é como se fosse um jogo já ganho. As pessoas que me acompanharam desde o ‘Avante’ e ‘De baile solto’ entenderam o disco muito rapidamente e interagem com ele de modo muito direto. E, como sempre, para nós, o desafio é alcançar o público novo, que ainda não acessou o trabalho. Esse sempre é o desafio e uma coisa também que só se mostra depois que está resolvido, depois de um tempo.

Esses três álbuns são uma trajetória. Você considera que, de alguma forma, encerrou um ciclo? Considera que esse trabalho uma trilogia mesmo e daqui para a frente pretende explorar outras coisas?

Não, eu nunca pensei em termos de trilogia, não. Sempre estive vivendo as questões do momento em cada momento desses. Mas eu sinto que, no ‘Coruja muda’, eu resolvo todos os problemas de síntese musical e formulação musical que estavam presente desde o ‘Avante’. Ou seja, desde transposição de ritmos populares para uma linguagem elétrica, para uma formação de pequeno porte, de quarteto, foram experiências que eu fui realizando desde o ‘Avante’ nos discos e nas diversas formações ao vivo, e eu sinto no ‘Coruja muda’, no disco e no palco, parece que chegou num lugar já de uma formulação mais clara. Isso não quer dizer que eu não vou insistir na fórmula no futuro ou que necessariamente eu seja obrigado a quebrar com isso e inventar toda uma nova coisa num próximo disco. Eu não me vejo lidando com essas questões, não. Estou mais preocupado no futuro com as questões poéticas, que são as principais. O que eu tenho a dizer e como formular essa coisa que eu espero ter a dizer num futuro próximo.

Eu vi você falando em entrevistas que não pretendia entrar em política nem nada, mas acaba que o momento político do Brasil se impôs. Como você vê o papel do artista nesse sentido? Como a gente tem um momento político difícil, para dizer o mínimo dessa escalada conservadora que a gente vem vivendo, em que a cultura e a arte são os alvos também…

Esse é um lugar sempre muito delicado, que exige do artista que ele se pense e seja honesto, porque a função do artista é buscar oferecer para o público um ponto de vista fresco e renovado de uma realidade que ele enxerga. A nossa função não é propriamente mudar o mundo nem necessariamente interferir diretamente na dimensão política do espaço. Mas tudo o que a gente faz tem uma dimensão política que se impõe, a gente queira ou não ter consciência dela. Essa medida, sendo sempre político, o quanto se é explicitamente político e o quanto se espera interferir diretamente na política da vida, é sempre muito delicada. Na época do ‘De baile solto’, para mim, tinha uma imposição de que era necessário formular uma postura política clara frente ao contexto daquele momento. Depois, com tudo o que veio a seguir, que de algum modo eu já estava percebendo, lá naquela época, a questão foi como não ignorar a dimensão política e ao mesmo tempo não cair na armadilha ativista panfletária, que é muito difícil para o artista de sair depois, que te condena a um lugar datado ou ultrapassado muito rapidamente. Pode até ter uma ação efetiva no momento, mas logo depois já não é mais, porque o contexto se mostra sempre mais complexo a cada dia. Então eu respondo te dizendo, tentando sintetizar, que não há uma fórmula e que o artista tem que estar consciente de que ele não vai mudar o mundo, de que não é a posição política dele que vai mudar nada, mas que ele precisa principalmente ser artista, ou seja, oferecer alguma perspectiva renovada, seja lá do que ele está tratando. 

Ao mesmo tempo, você teve uma atuação política na prática na sua relação com Nazaré da Mata. Não foi só uma relação musical, você não foi só simplesmente viver ali e aprender com a música dali, você saiu em defesa do maracatu mesmo. Isso me fez pensar numa coisa que a gente fala muito hoje, principalmente a esquerda, de que a gente precisa se aproximar do povo, voltar para as bases. Como foi essa experiência para você, sendo uma pessoa de classe média? O que você aprendeu dessa aproximação?

Na verdade, eu queria começar consertando tua pergunta, colocando ela no tempo presente. Não existe uma história que foi, porque é uma história que sempre é na minha vida. São trinta anos já de relação com o maracatu e com a Mata Norte, mesmo que eu não estando mais lá. A época que eu morei lá de fato nem foi o começo, nem foi o fim quando eu saí. É um momento ali em que eu fiz a Fuloresta, no meio desse caminho todo. É difícil, não sei nem onde começar a responder essa pergunta, porque ela tem tantos lados e tantas partes que eu acho que tem aí, sim, toda uma dimensão política dessa minha história, que vai se desdobrando de mil maneiras. A começar lá, trinta anos atrás, pela opção de um jovem artista de classe média de se voltar para essa cultura popular de periferia, do interior, que, nos anos 80 para 90 era considerada o lixo da cultura do lugar onde você vivia. Aí já tem uma dimensão política de uma opção — que não era tão consciente politicamente assim, mas que, sim, dentro da minha ingenuidade lá atrás, aos 20 anos, tinha, sim, uma opção política de virar as costas para o que seria a escolha majoritária dentro da minha faixa e classe social. Depois tem toda uma história de envolvimento e de inversão, essa inversão que eu fiz de me colocar como um aprendiz de uma cultura que, para mim, deveria ser considerada como inferior e, mais do que inferior, eu tenho essa dimensão de que a cultura popular no nosso país, toda essa cultura não oficial e não acadêmica, não pós-industrial, não “moderna” é considerada como um passado, negada pela dimensão do agenciamento político do presente. De todas as dimensões dessa problemática, essa é a mais cruel. Essa é a que joga dentro do senso comum, e é feito por todos nós, que todo esse Brasil não oficial está no passado. E esse que está no presente, a cultura popular que consegue furar os bloqueios todos e ter um agenciamento do presente, ou seja, dá certo, inclusive em termos até mercado, como o funk é o melhor exemplo, a gente naturaliza toda uma gama de ferramentas de exclusão e de violência em cima dela. É uma coisa muito profunda, um problema muito sério de base, do nosso país, e eu sempre tive que lidar com isso dentro da trajetória do meu trabalho. Fui aprendendo a lidar com isso, como acabo de algum modo, involuntariamente, ocupando, em relação à Mata Norte um lugar de intermediário. O meu trabalho não se propõe totalmente a falar da região, mas fala. Fala da cultura popular e, de algum modo, eu fico sendo um tipo de intermediário, de embaixador na prática. Mesmo quando eu não quero. E isso também coloca uma dimensão política no que eu faço já, automaticamente. Teve um momento mais específico, lá para 2012, 2013, 2014, quando houve uma problemática de perseguição policial ao maracatu em que essa posição política minha teve que se colocar de modo concreto, numa atividade que era política, de organizar e intermediar, de algum modo, uma luta contra a opressão policial do estado contra o maracatu. Ali realmente tinha uma coisa de ação, de militância política de ato propriamente, de ação, que se resolveu depois de um tempo.

E, no fim das contas, acaba que isso tem uma origem no racismo. Porque o que a gente chama de cultura popular são expressões negras ou afro-indígenas. Você também vê dessa forma?

Sim, com certeza. Mas eu acho que — claro, a gente toma consciência aos poucos do quanto o racismo está nas pequenas relações domésticas, comunitárias e institucionais. A gente começa a dizer com mais facilidade que o racismo é a base da nossa sociedade. Mas eu acho que temos que pular umas casas aí para começar realmente a enfrentar isso de um modo um pouco mais duro e mais efetivo, e que a gente precisa elaborar o entendimento de que o racismo, na verdade, é a base do capitalismo, é como ele se estrutura, através do colonialismo e depois do imperialismo, e de como todas essas relações do macro vão definir as relações nossas do micro, do social e do doméstico. Porque sem a gente buscar entender isso de um modo mais profundo, a gente vai continuar rodando em torno de querer eleger em 2022 mais um candidato progressista, como se estivesse já havido eleição de fato em 2018. Vamos continuar fingindo que pela via democrática vai prevalecer um bom senso. E a gente está vendo onde o bom senso foi dar, né? Ele está aí até hoje, ainda, dando suporte a um governo de loucos neste país.

Essa questão do racismo tem a ver com uma coisa. Esse conceito do bicho-homem acabou sendo um norte do seu disco. Queria que você falasse um pouco sobre esse conceito em si. E você costuma trabalhar com conceito, quando faz um álbum?

É, esse conceito aí do espaço indefinido entre homem e animal do disco justamente tenta tocar nesse assunto que a gente falou agora há pouco, de que critérios, o que define para nós quem é ou não gente, quem tem ou não direito a ser tratado como gente nos diversos níveis de instituição e de país e de convivência social. Esse é o ponto do disco, não que eu ache que eu quis ou que eu tente resolver o assunto, chegar numa posição clara, esgotar, mas eu tentei me nortear por essa pergunta, para justamente tentar elaborar um olhar mais abrangente sobre a questão política que a gente vive. De algum modo, fecha nossa conversa agora, chega no começo novamente: como tentar olhar para essa questão política sem ser do ponto de vista da armadilha do “vamos escolher um candidato menos ruim e mais progressista” e tal. Eu nem trabalho com conceito fechado, no sentido de que eu sou capaz de elaborar um conceito fechado a ponto de trabalhar ele desde o começo. Nem me vem nada de fora, como uma iluminação e tal. Eu tento seguir os meus incômodos, uma problemática que é mais complexa, tem a ver com a música, tem a ver com a poesia, e o lugar dessa música e dessa poesia no presente. Eu tento ir elaborando isso no presente até que o ponto que alguma ideia vá ficando um pouco mais clara, do que está em jogo para mim. Então eu busco esse conceito, na verdade. Ele nem vem para mim como pronto, nem eu estabeleço a priori como uma coisa que vai me nortear. Eu tento seguir uma certa intuição e vou procurar ir me guiando através dela até o ponto em que ela se define como mais clara para mim.

É verdade que você chegou a fazer um outro disco e resolveu começar tudo de novo, para fazer o ‘Coruja muda’?

É, eu fiz uma parte desse mesmo disco, não fiz um outro com outras músicas, não. Eu fiz aí uns 60% dele um ano antes e tive que parar, em 2017. Eu tinha andado um bocado já com o disco, mas ele não estava tão claro para mim, que direção era essa. Nem de texto, nem de música. E aí o meu contexto pessoal estava bastante limitador, até impeditivo, e eu resolvi ser honesto comigo mesmo e parar o disco. E, quando eu voltei um ano depois, já não dava mais para retomar do ponto que eu parei. Eu resolvi zerar a parte mais musical, propriamente dita, de produção — não o repertório. Aí é um assunto complexo, tem vários fatores, tanto pessoal como o da banda, que quando eu comecei antes não tinha, e quando eu retomei eu tinha um coletivo forte ao redor. Então vários fatores foram me definindo as soluções a dar.

Você viveu o momento da explosão do mangue beat. Agora, a cena independente de Pernambuco está atraindo uma atenção nacional de novo — não como no mangue beat, mas está. Como você o momento de agora? Você acha que o seu trabalho dialoga com o que está acontecendo hoje lá também?

Eu acho que o meu trabalho sempre dialogou com a existência e o que o lugar de eu venho propõe. Sempre fiz parte de lá e, na época que existia esse nome, mangue beat norteando, eu fazia parte também e, depois que ele deixou de ser um nome importante segui fazendo parte. Sempre, tudo o que eu faço, de algum modo, remete ao fato de que eu vim desse lugar, que não cansa de estar vivo e inquieto e ativo. E, nesse sentido, eu não tenho essa percepção de que há um novo momento em Pernambuco. Eu não estou nem dizendo que não há. Para mim, não parece ter mudado muita coisa. Sempre teve um constante aparecimento de nomes novos de lá. Houve momentos mais propícios e menos propícios, mas estava sempre todo mundo produzindo muita coisa. O que eu acho que houve com Pernambuco foi que a minha geração não teve os meios ou não fez a estratégia correta, nem o contexto permitiu, o jogo de forças não permitiu, talvez, que se estabelecesse um mercado local. Mas isso não é um demérito só de Pernambuco, ninguém conseguiu estabelecer um mercado real local, a não ser a Bahia. Isso segue sendo um problema. Talvez agora, com o fechamento de todas, ou quase todas as possibilidades institucionais do país, as pessoas lá consigam elaborar e inventar novas estratégias, e isso passe a ficar mais no horizonte, mas eu não sei. O fato é que Pernambuco sempre esteve ali, como um espaço de criação em vários níveis, tanto na classe média — não vou falar nem da cultura popular, porque ela sempre foi um espaço de explosão de criatividade, mas o senso comum não nos permite percebê-la como um lugar de criação. Mas sempre foi.

É mais difícil para os artistas conseguirem viver do seu trabalho neste momento de crise que estamos vivendo? Sente que piorou, no cenário musical em geral? A crise está impactando?

Está impactando, com certeza, fortemente. Não de agora somente, já tem uns anos já que há um desmonte de toda a parte de suporte institucional às culturas, às ações culturais. O corte é muito grande, muito severo, só aumenta, tem muito impacto — porque é uma cadeia, quando você corta os eventos maiores vai gerando impacto em tudo que é menor e que vem abaixo. É forte, é sério, é menos impactante na música, porque ela tem uma capilaridade, uma diversidade de ações, espaços, iniciativas que tornam esse efeito menos desastroso do que, por exemplo, no teatro ou no audiovisual, onde o quadro eu imagino que seja desesperador. Para quem tem, como eu, uma base mais ou menos sólida — não sou grande nem nada, mas tenho uma história longa, uma estrutura pequena, mas que é sólida, um público pequeno, mas que é também sólido na relação. Eu tenho escapado, não com facilidade, nem um pouco, mas ainda tenho esse privilégio. Mas eu acho que, para quem está começando, o quadro é de um desafio muito grande. Eu fico pensando no tempo em que eu comecei, sem querer fazer aquele papo de velho: “Ah, no meu tempo…”. Mas eu vejo ao meu redor uma situação nem um pouco parecida, mas consigo traçar um paralelo. No momento em que eu tive que fazer a opção de risco que era seguir o caminho que eu segui na minha vida tinha um cenário de nenhuma perspectiva. Eu estava em Recife, não tinha nada que dissesse assim: “Vai ser artista, acredita aí, que vai dar certo.” Não, não tinha nada que falasse isso concretamente. Tinha muito mais a ver com você tentar resolver um quadro de inadequação psicológica, de você não poder ser outra coisa, então você vai arriscar tudo ali e achar que melhor isso do que o que você tem a encarar numa vida se você não se assume como é quer ser. Aí parece que a gente vai para algum lugar muito parecido aqui, quem está começando agora vai ter que ter a coragem de se assumir muito rápido, como desajustado social mesmo, e partir para ser artista nesses termos e, a partir daí, elaborar uma trajetória a longo prazo que, se você bater sempre na mesma tecla, obviamente vai achar uma solução para ser quem você é e partir desse lugar da essência mesmo do que é ser artista. Você é aquilo ali, tem que se assumir como você é.

Vai lá:
Siba – ‘Coruja muda’
Quando: Sexta, 13 de março, das 18h às 22h
Onde: Museu de Arte do Rio. Praça Mauá, 5 – Centro
Quanto: Grátis

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Marina Iris: ‘A disseminação do ódio prejudica inclusive quem propaga ele’ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/03/07/marina-iris-a-disseminacao-do-odio-prejudica-inclusive-quem-propaga-ele/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/03/07/marina-iris-a-disseminacao-do-odio-prejudica-inclusive-quem-propaga-ele/#respond Sat, 07 Mar 2020 09:00:38 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1365

Marina Iris faz homenagem a Jovelina Pérola Negra. Foto: divulgação/Pedro Curi

Em novembro do ano passado, Marina Iris lançou seu terceiro disco solo, ‘Voz bandeira’. Com produção e arranjos de Ana Costa, o disco constrói uma narrativa permeada por questões da mulher negra. A reverência às mais velhas está ali, seja nas participações das escritoras Conceição Evaristo, Elisa Lucinda e Ana Maria Gonçalves, que leem textos de sua própria autoria; na de Leci Brandão (no já clássico samba-enredo vitorioso da Mangueira de 2019, “Histórias para ninar gente grande”, em que a própria Leci é citada), ou ainda na referência à orixá Nanã, considerada a “avó” das iabás, na faixa “Velha senhora”.

Genocídio da população negra, objetificação da mulher negra (e outras formas de racismo) e amor são alguns dos temas abordados. O samba dialoga com estilos como a coladeira cabo-verdiana (em “Travessias”) e o semba angolano (“Mana que emana”). As cantoras Fabiana Cozza e Marcelle Motta, além de um time de instrumentistas negras (e mais alguns músicos homens), participam do trabalho.

Para Marina, o disco, que saiu no mês em que se celebram as conquistas do movimento negro, foi entendido como parte dessa luta também, já que trata de questões discutidas nessa militância e traz as participações das seis mulheres negras citadas. “Mulheres muito diferentes, com trajetórias e de origens e de territórios muito diversos, que estão ali convivendo e se reconhecendo num fonograma. Acho que isso representa o que é de fato a nossa luta diária, cotidiana, de reconhecimento das mulheres uma das outras e tudo mais”, diz a cantora.

A grande presença feminina no disco, da produtora às instrumentistas, é também uma busca por uma mudança em um ambiente que, como tantos outros, ainda é permeado pelo machismo. “As mulheres têm uma vivência da entrada na música diferente dos homens, porque você tem que tocar na noite, está exposta a uma realidade que é mais complicada para a mulher do que é para eles. Conheço pouquíssimos homens que pararam de tocar seus instrumentos quando tiveram filho. As mulheres, em geral, param ou por não terem apoio da família, ou pelo simples fato de terem que ficar afastadas por um período e não terem a compreensão do próprio movimento do samba, das pessoas”, compara.

Depois de ter revelado ao público seu relacionamento com a arquiteta Mônica Benício, viúva de Marielle Franco — ‘Voz bandeira’ é dedicado à vereadora, assassinada em março de 2018 —, Marina Iris conta que algumas preocupações passaram por sua cabeça, mas o que mais chegou a elas foi apoio e acolhimento. “A gente sabe que, na verdade, esse encontro proporciona uma parceria de luta para nós duas — de maneiras diferentes, porque a Mônica vive um luto. O que eu tento, o que eu acho que é o possível nesse momento é ser parceira nela nessa luta. Para a construção de um país que a gente quer, restabelecer a nossa democracia”, defende a artista.

Por falar em ancestralidade, neste sábado ela faz uma apresentação em homenagem a Jovelina Pérola Negra (1944-1998), no Rio Scenarium, como parte do evento Samba Delas. Filha de Jovelina, Cassiana Pérola Negra, participa do show. Quem abre a noite é Thaís Macedo, que faz tributo a outra grande sambista, Dona Ivone Lara (1922-2018).

Como tem sido a recepção ao disco?

Tem sido muito bacana. O disco foi lançado em 28 de novembro, já era uma data marcando o final do Novembro Negro, e isso foi muito legal, porque a militância está muito voltada para esse mês, ele marca a luta da negritude, e principalmente das mulheres negras, e celebra as conquistas dos movimentos negros, e acho que ele foi entendido como parte dessa luta também, uma vez que reúne seis mulheres negras, com um diálogo ali entre poesia e música, essa poesia costura o disco. Mulheres muito diferentes, com trajetórias e de origens e de territórios muito diversos, que estão ali convivendo e se reconhecendo num fonograma. Acho que isso representa o que é de fato a nossa luta diária, cotidiana, de reconhecimento das mulheres uma das outras e tudo mais. Isso foi bacana. Foi entendido dessa forma. Tanto as resenhas que foram produzidas até agora como a reação do público mesmo foram de uma identificação com o projeto, tanto pelo seu valor artístico como pelo seu valor de militância.

Inclusive, se não me engano, à exceção da Manu da Cuíca, o disco só tem mulheres negras e alguns homens, não?

Nas composições tem mulheres homens, uma presença forte das mulheres negras também nas composições — tem Teresa, eu, a Ana —, tem uma presença feminina muito grande. Só tem uma música que não tem uma mulher na parceria (“Mana que emana”). Não foi um critério, até porque eu acho que a gente já está superando um pouco a necessidade de criar esse tipo de regra, internalizando mais no processo que a gente precisa ter a presença feminina. Não foi uma norma estabelecida previamente, foi resultado de um processo que já está em curso há um tempo que é esse reconhecimento. Então é natural que, quando penso nas músicas, eu espontaneamente pense nas compositoras que conheço. É uma movimentação que está rolando bem. Já canto as músicas da Fátima (Guedes), da Manu (da Cuíca) há muito tempo, da Teresa (Cristina) a mesma coisa. A produção musical é da Ana Costa, então ela teve a oportunidade de mostrar esse lado dela também, e, na verdade, de compor uma música no meio do processo, a faixa dela com a Manu foi criada para o disco, foi um pedido meu. Isso vai acontecendo de uma maneira muito fluida mesmo. O conceito a gente preparou antes, o convite às mulheres negras para costurar, para estar nessa interação. Eu queria mesmo que fosse um diálogo entre poesia e música e entre mulheres negras. Na hora de escolher as canções, eu abri para muita gente, pedi para uma gama grande de compositoras e compositores que eu conheço. E já tenho como tendência ouvir com os ouvidos bem abertos as músicas das mulheres. Já se incorporou à minha rotina de montar repertório na vida. Então acabou acontecendo no disco também e reproduz um pouco da realidade da minha carreira mesmo, de troca com essas mulheres.

E mulheres instrumentistas também, né?

Tem uma predominância negra e uma predominância feminina no disco, de uma maneira geral.

Exatamente, eu vi muitas mulheres negras, que são figuras que muitas vezes não encontram espaço. Já é difícil ter mulheres instrumentistas…

Exatamente. Esse espaço da composição e das instrumentistas… A gente sempre teve a presença feminina no samba, com sua importância, seu destaque, as matriarcas, tudo mais. Vem desde lá de Dona Ivone, mas acho que ganha uma força no debate mais recente essa reivindicação do espaço de compositora e de instrumentista na roda de samba, dentro do samba. Ganha força nova com os debates feministas feitos atualmente. Esse lugar passa a ser mais reivindicado pelas mulheres do que antes. Digo o espaço, as mulheres sempre batalharam para tocar seus instrumentos. Mas é que esse debate é talvez para ganhar um espaço e ter uma empatia maior. Porque o machismo está em todo lugar. As mulheres têm uma vivência da entrada na música diferente dos homens, porque você tem que tocar na noite, está exposta a uma realidade que é mais complicada para a mulher do que é para eles. Conheço pouquíssimos homens que pararam de tocar seus instrumentos quando tiveram filho. As mulheres, em geral, param ou por não terem apoio da família, ou pelo simples fato de terem que ficar afastadas por um período e não terem a compreensão do próprio corpo, do movimento do samba, das pessoas. Essas dificuldades estão sendo mais colocadas na mesa, as mulheres têm se ajudado mais também, se convidado mais para os trabalhos, para que isso vire uma nova realidade e incentive outras mulheres e meninas a embarcar nessa carreira de instrumentista, de compositora.

Isso até tem a ver com seu disco anterior, né? Porque homem não é chamado de “rueiro”, “rueira” é a mulher.

A gente tem que reivindicar isso, na verdade. Para o homem, já está dado, para a gente passa a ser uma afirmação. Porque muitas vezes a gente é assediada, incomodada por estar num espaço onde é considerado que os homens podem estar e as mulheres não necessariamente, entre outros problemas.

Você mencionou o fato da Ana Costa ter produzido o disco, e essa é uma questão que eu já vi outras artistas mulheres falando sobre. O estúdio costuma ser um ambiente muito masculino, e às vezes o produtor quer levar o trabalho para um caminho que ele decidiu, sem muito diálogo. Já vi muitas falando de como às vezes é difícil, naquele espaço, conseguir manter suas ideias e não ser pressionada. Como foi a experiência de ter uma mulher nessa função, ainda por cima uma mulher negra também?

É um exercício. A gente está buscando transformação na sociedade e sabe que está longe do equilíbrio e da liberdade que a gente espera. Eu acho que esses exercícios são importantes para todo mundo, inclusive para a mulher se ver naquele espaço naquela posição. A Ana teve uma experiência mais próxima dessa no disco do Lucio Sanfilippo (foi uma das arranjadoras de “Canções de amor ao Léo”, de 2005) anos atrás, e ela está tendo outra agora, justamente  neste momento em que os debates são outros. E a gente teve a preocupação também de trazer para perto uma turma que estava disposta a construir junto, ir entendendo o espaço de cada um. Isso foi muito positivo. Aí teria que falar com a Ana para saber especificamente da experiência dela, mas o que eu pude constatar no processo foi que ela ficou à vontade para criar e teve uma troca muito boa — que eu acho que já é resultado de uma preocupação nossa de trazer pessoas que, além de ter uma qualidade musical imensa, têm um acúmulo de reflexão a respeito disso, estão querendo mudar essa realidade também, tanto homens como mulheres. Para mim, tê-la naquele lugar, uma pessoa que eu admiro, respeito, muito é diferente. A gente está muito acostumada a ter uma voz e uma posição masculina no momento da definição, e ter uma mulher ali foi muito significativo. É um crescimento para todo mundo, principalmente para mim, porque é você se reconhecer. A gente tem divergências, diferenças, mulheres negras não são todas iguais, mas tem uma coisa comum de perspectiva, o que é bonito quando acontece no momento de gravação de um trabalho — que é muito importante para quem canta, toca, é o instante do registro, é a coisa que fica eternizada ali. Ter essa troca nesse momento foi novo, ao mesmo tempo que você pensa: “Por que rola tão pouco? Que bonito, que bom que está rolando aqui.” Pelo que eu vejo dela, também é muito bacana: ela me manda todas as notícias, fica superempolgada, ficou supefeliz com o resultado. A gente se emocionou muito com o trabalho, a gente sabe que tem nossa história ali muito colocada. Muito legal. E ela pensou as trilhas com muita dedicação e muita emoção: “Caramba, estou fazendo a trilha para a Conceição Evaristo.” É de outra área, uma poeta, mas é uma referência de mulher preta que esta aí, ocupando os lugares predominantemente masculinos e brancos.

E como foi para você ter essas mulheres negras mais velhas, que são figuras consagradas e muito queridas, no seu álbum e trabalhar com elas?

Foi muito emocionante. O primeiro de tudo foi isso, muita emoção. Foi pensar que isso estava acontecendo num mesmo momento, não foi uma participação de uma num disco e outra no outro, aí você vai lidando com essa emoção parceladamente. Foi tudo junto e fazendo sentido, fazendo muito sentido. A gente entende que essas mulheres nos formam. A princípio, elas estão nesse lugar de reverência, de distância. E depois, à medida que a gente vai trabalhando junto, percebe tantas coisas em comum! E também tantas coisas que a gente aprende e que elas aprendem também com a gente, é uma troca. Para resumir, foi muito emocionante, representa para mim um crescimento, de pensar com cuidado qual seria o texto que se encaixaria mais no disco, que teria mais a ver com a trajetória daquela mulher e com a nossa história ali, de encontro. Primeiro, a gente costurou isso com a produtora do disco. Depois, devolver para elas e ouvir delas, no caso da Conceição: “Esse que você escolheu é um dos poemas que eu mais gosto, me representa muito.” Porque tem a ver com a própria produção dela de poeta, a relação com a palavra, com o discurso. A gente se apropriar da narrativa é fundamental para a luta. Estar ali, juntas, fazendo isso, falando da construção, da produção literária, da relação com a palavra é uma catarse.

Você falou que o álbum conta uma história. É um disco de mulher negra mesmo, fica muito explícito do início ao fim. Por que quis buscar em Angola e Cabo Verde influências para o seu trabalho? É um disco de samba, óbvio, mas tem essas faixas que chamam atenção e dialogam também.

O “Rueira” foi um disco muito dedicado a essa parceria minha com a Manu, dela com o Rodrigo (Lessa), minha com o Rodrigo. Não tive uma preocupação tão grande em ter uma predominância do samba ali, porque sabia que teria samba — a Manu é uma compositora muito do samba também, ela toca cuíca, é instrumentista. A gente foi costurando mais a partir do conceito dessa cidade que é reivindicada, da mulher que reivindica essa cidade, que ocupa o espaço público, que é quase uma cronista, essa rueira que está ali observando a cidade. O ‘Voz bandeira’ é quase um desdobramento dessa história, mas eu tive uma preocupação maior — porque eu sou formada no samba, o samba me forma — e eu tive esse retorno maior. Eu quis estar mais dentro do samba, gravar mais sambas. Ou gêneros que dialogam muito com ele, como é o caso do ijexá, por exemplo. Mas eu tenho uma relação com o samba não monogâmica. É uma coisa de muito amor, mas eu não me sinto obrigada (risos). A minha alma de cantora, vamos dizer assim, é livre. Então, ao mesmo tempo que o que me forma é o samba, eu não vou ao samba só para cantar: vou para beber cerveja, bater palma, eu tenho amigos no samba, lá eu aprendi a fazer piada, a abraçar, ter afetividade, pertencimento. Essa minha vivência de samba independe da minha carreira, vamos dizer assim. E ela acaba também, obviamente, sendo incorporada pela minha carreira. No entanto, entendo que a alma de cantora é livre. Eu sempre vou querer trazer um elemento diferente, uma coisa que tenha me tocado, como é o caso da coladeira, que eu gravei no ‘Rueira’ e quis gravar de novo e não estava achando. Coladeira cabo-verdiana, que é o caso de “Travessias”, que foi o single. E aí eu pedi que a Manu e a Ana Costa fizessem uma coladeira para ter no disco, porque eu amei gravar. E eu vi muito Cesária Évora para gravar no ‘Rueira’, fiquei apaixonada — já era, mas de ficar ouvindo para poder pegar um pouco da linguagem, eu fiquei muito, muito, muito interessada em gravar mais vezes, não esgotar no ‘Rueira’. E eu pedi que a temática tivesse muito a ver com a nossa, daqui. A Cesária canta essa saudade, esse deslocamento do trabalhador, de ter que sair do seu lugar. Ela canta isso em “Sodade”, e eu queria que a gente falasse desse deslocamento forçado, dessa necessidade que as pessoas têm de sair do seu local de origem, contra a sua vontade muitas vezes, por conta das durezas da vida. E aí a Manu escreveu lindamente, Ana também com sua melodia também, e pensou nisso, nessa coisa de mar, tem uma coisa de continuidade no ritmo que dá uma ideia de movimento mesmo. Foi essa a pegada de “Travessias”. Atendendo também a essa minha demanda de ter um gênero que tem uma relação harmoniosa com o samba, mas não é samba.

Você falou que o disco tem a ver com a questão da militância, mas ele também é muito afetivo, pelas suas escolhas, as pessoas que participam. Passa uma coisa amorosa. Quando você pensou no conceito do disco, quis que ele fosse militante, mas amoroso?

São quatro discos até hoje, três solo. O primeiro eu contei muito uma história, uma virada de como eu entendi como cantora muito tarde, e eu contei, em 2014, essa história, do que eu conheci até ali. Foi uma coisa meio pegando experiência de Bip-Bip (o bar em Copacabana famoso pelas rodas de samba e choro), juntando com outras referências do meu pai. Antes do ‘Rueira’, teve o (coletivo) Épreta, que já foi pegando um desejo de coletividade. O segundo solo, o ‘Rueira’, marca uma trajetória de parceria minha e da Manu muito forte. Ele também tem um pouco a ver com esse acúmulo da minha trajetória, mais especificamente com o amadurecimento dela. Essa parceria minha e da Manu representa nosso amadurecimento, e mesmo o Rodrigo está ali que como um cara que abraçou isso também, essa história nossa. E o ‘Voz bandeira’ eu queria que apontasse um pouco mais para a frente, promovendo encontros que vão reverberar não só na minha carreira, mas na vida das pessoas. E aponta para o futuro, de certa maneira, tanto na estética que a gente tenta colocar, urbana e tudo mais — amo atabaque, a estética do chão de terra, regional, mas nesse disco eu quis muito o asfalto, e uma coisa mais moderna também, como foi o ‘Rueira’, mas também com esse encontro dessas mulheres negras neste momento de hoje, em que se está discutindo o afrofuturismo e outras estéticas negras. Então é a gente apontar muito para o futuro e, nesse futuro, dessas mulheres negras, pressupõe acolhimento, encontro, troca. É isso o que está colocado, fiz uma linha do tempo para chegar nesse lugar que é de ‘Voz bandeira’ como um disco que fala de hoje, mas que aponta para o que a gente vai dizer. E esse encontro das mulheres negras pautado, baseado na troca, no acolhimento, na escuta de gerações, e de uma coisa que o Épreta já tinha dito um pouco, que é da diversidade dessas mulheres também. A gente se junta por um ponto comum, que é a perspectiva da negritude, da luta negra, mas também mostra o quanto a gente é diferente, diversa, e o quanto o convívio com essas diferenças enriquece para caramba. É mostrar para o mundo que não é um bloco. Porque essa retirada da diversidade mulher negra também desumaniza, né? Então mostrar o quanto a gente é diverso, potente, humaniza a nossa história, a nossa presença neste mundo.

O seu pai (Celso Lima) era compositor. Foi ele que influenciou você a começar a cantar e se interessar por música?

Acho que é uma coisa meio hereditária. Eu tive um convívio musical com meu pai mais informal, nunca foi uma coisa de estar com ele nos espaços de samba, foi muito de dentro de casa, tocar o violão e tal. Mas, na verdade, o que me despertou o interesse por cantar foi o convívio com a Gisa Nogueira, que é companheira dele há 33 anos. Ela é compositora, cantora, e eu acho que ver uma mulher nesses espaços, nessa posição e cantando como ela canta — porque me chamava a atenção justamente a interpretação, mas a divisão, essa coisa malandreada da interpretação. Isso me chamou muita atenção na Gisa, porque isso é muito associado aos homens, a divisão. Como é uma característica da malandragem, a mulher é muito elogiada pela interpretação, timbre, alcance, presença, “diva”, pelo repertório, mas não se fala em divisão. Quando você diz: “Ah, e Roberto Ribeiro?”. Aí os caras falam: “Pô, dividia muito bem, Miltinho, João Nogueira, tinha uma malandragem na voz, uma divisão bonita.” E a mulherada, que também tem divisão, a sua própria malandragem, a sua própria expressão, não é muito elogiada ou lembrada por isso. A primeira coisa que chamou a atenção na Gisa foi como ela dividia o samba. Isso me marcou e eu fiquei prestando atenção. Demorei muito para entender que dava para cantar profissionalmente, fui professora antes, tinha música como hobby. Mas depois, quando fui compreendendo, muito por incentivo da Manu, que tinha a ver comigo e que era possível na minha vida, essa coisa da divisão foi sempre uma preocupação, foi o que me deu mais tesão na interpretação, de pensar na música brincando com ela e em como isso influencia na mensagem que você está passando. Isso é uma coisa que o Zeca (Pagodinho) tem muito, uma divisão bonita, muito bem colocada. A simplicidade muitas vezes é o grande mérito daquela interpretação. Isso foi me chamando atenção e me formando como cantora. Nessa vivência com a Gisa — a partir, claro da vivência com meu pai. Mas esse encontro deles dois me proporcionou o encontro com ela, que influenciou muito no que eu sou hoje.

Por falar em militância, você assumiu um relacionamento com uma pessoa que é uma cara do ativismo e que sofre muitos ataques (no mês passado, Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, fez um post em seu Instagram sobre Marina Iris; dois dias depois, a imprensa noticiou o relacionamento das duas). Você passa por isso? É atacada pelos seus posicionamentos e por estar com a Mônica?

Sim, sim. O acirramento do discurso de ódio, não tem como a gente não ser atingida por isso. E, nesse relacionamento novo, não está sendo diferente, talvez tenha até se intensificado, porque são duas figuras que militam, públicas em proporções diferentes, com alguns espaços comuns e outros diferentes. E a gente sentiu — não foi a gente que anunciou, mas, no momento em que isso se tornou público, obviamente algumas preocupações vieram à cabeça. Mas o que mais chegou a mim foi apoio, acolhimento, das pessoas que a gente conhece e sabem da nossa vivência, nossa experiência de militância. Nós sabemos que, na verdade, esse encontro proporciona uma parceria de luta para nós duas — de maneiras diferentes, porque a Mônica vive um luto. O que eu tento, o que eu acho que é o possível neste momento, é ser parceira dela nessa luta. Para a construção de um país que a gente quer, restabelecer a nossa democracia. E a gente sentiu, obviamente. A primeira notícia que saiu foi bastante sensacionalista. Nossa política é não ler os comentários, faz um bem danado. Porque se retroalimenta ali um ódio, uma coisa que na verdade está atendendo a um projeto que só acaba com tudo, acaba com a civilidade de maneira geral. Essa disseminação do ódio não prejudica a Marina Iris ou a Mônica Benício: prejudica todo mundo, inclusive quem propaga esse ódio. Prejudica a sociedade como um todo. Então a gente está aí, segue firme na luta, com a música, com a militância, e não se deixando paralisar por esse ódio e pelo medo que são disseminados. Temos estratégias, acolhimento, afeto. E música, arte, pessoas muito incríveis com quem a gente convive. Temos uma referência, uma memória para ser preservada e reverenciada, que é a memória de luta da Marielle. É isso que move, que tem que estar no centro do debate. E é a preservação dessa memória e a luta pelo aprimoramento da nossa democracia, e não pelo retrocesso. Nossa democracia precisa andar para a frente, e chegaram ao poder pessoas que querem retroceder e abalar essa democracia. A gente não pode permitir isso. Não pode se deixar abalar também por esses discursos, que não ajudam a vida de ninguém.

Vai lá:
Marina Iris
Quando: Sábado, 7 de março, às 20h30
Onde: Rio Scenarium. Rua do Lavradio, 20 – Centro
Quanto: R$ 35 (1º lote, limitado) a R$ 60

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Baby Perigosa: ‘O funk precisa de mulheres cantando sobre o próprio prazer’ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/28/baby-perigosa-o-funk-precisa-de-mulheres-cantando-sobre-o-proprio-prazer/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/28/baby-perigosa-o-funk-precisa-de-mulheres-cantando-sobre-o-proprio-prazer/#respond Fri, 28 Feb 2020 18:11:15 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1353

Baby Perigosa. Foto: divulgação/Samuel Andrade

Ela saiu do interior do Rio Grande do Sul há dois anos para tentar a vida como cantora no Rio de Janeiro. E não é que as coisas até que foram rápido para a Baby Perigosa? Aos 20 anos, Maria Eduarda Soares Poletto fez sucesso já com a primeira música lançada: o funk “Grelinho de diamante”, parceria com o coletivo Heavy Baile. Lançado em junho do ano passado, o vídeo tem quase oito milhões de visualizações.

O conteúdo explícito da letra assustou os moradores de sua cidade, mas ela garante não se incomodar. “Quem é mais próxima de mim é minha mãe, que hoje em dia mora comigo. Para mim, só importava a opinião dela mesmo, nunca liguei muito para o que os outros pensavam. Como ela me apoia, tudo bem”, jura.

No fim de 2019, MC Baby Perigosa soltou o segundo single: “Saudade”, versão de “Señorita”, de Shawn Mendes com Camila Cabello. A letra, mais uma vez, fala de sexo sem meias-palavras. Para ela, seu trabalho é um empoderamento diário. “Porque eu estou cantando sobre o meu prazer, sobre o meu corpo, e são temas muito importantes para mim, por ser mulher. É sempre um pouco assustador ver uma mulher cantando sobre essas coisas. E eu acho que isso é mais que necessário, acho que o funk precisa disso, precisa de mulheres cantando sobre o próprio prazer”, defende.

Fã de MC Rebecca, que também surgiu cantando letras do estilo, e da cantora norte-americana Cardi B, ela diz que, apesar de gostar muito do funk, tem vontade de gravar outros gêneros musicais, como rap, variações do brega (como tecnobrega e brega-funk ou trap). E que pretende gravar músicas mais leves para alcançar um público maior. “Claro que sempre tendo alguma sacanagem, porque eu não vou perder a minha essência. Mas de forma mais light, para poder ficar mais livre”, adianta.

Em 2020, ela planeja lançar um EP com seis faixas, já em andamento. Moradora da Penha, na Zona Norte do Rio, ela adianta que talvez grave faixas com DJs da região, conhecida por ter abrigado o famoso Baile da Gaiola. MC Baby Perigosa é uma das atrações do Baile do Ademar, que acontece este sábado na sede do Cordão da Bola Preta.

Você é de Passo Fundo (RS). Como foi seu contato com o funk? Já escutava lá ou passou a ouvir aqui no Rio?

Já escutava lá. Sempre ouvi muito, meu sonho de criança era ser funkeira. Mas lá no Sul a gente escuta outro tipo de funk, o 130BPM, que é o que toca mais em São Paulo. Quando eu morava lá eu tinha um contato diferente, com outro estilo de funk. Quando eu cheguei no Rio é que fui apresentada ao 150BPM, que está em ascensão agora, né? Porque eu vi para cá faz dois anos, então era quando o 150 ainda estava entrando na mídia.

Chegando aqui, você decidiu gravar? Como você começou a realizar seu sonho?

Eu sempre quis trabalhar com arte e com música, não sabia exatamente como eu faria isso. Mas eu acabei conhecendo o Heavy Baile. Porque eu comecei a trabalhar fazendo videoclipes. Aí eu fiz uma participação em um clipe deles, o de “Maconha & pente”, e nesse dia eles conheceram a minha história e ficaram sabendo que eu era uma menina que tinha vindo para o Rio de Janeiro para tentar a vida e trabalhar com música. E um estilo que eu gosto muito é o funk. E a gente combinou que faria uma música. Foi daí que surgiu “Grelinho de diamante”.

E você veio para o Rio com quem?

Eu vim sozinha.

Como é que você se virou para sobreviver aqui? Veio morar onde?

Eu vim morar na casa de uma amiga virtual, a Ex-Miss Febem, Aleta Valente, até eu arrumar um emprego. Fiquei cinco meses na casa dela, até que eu arrumei um trabalho com telemarketing. Eu me mudei, fui morar sozinha. Fiquei quatro meses nesse emprego. Saí quando já tinha feito minha música, aí passei a sobreviver da música mesmo.

Você faz bastante show e participação?

Agora está fluindo mais.

A casa onde você veio morar era onde?

Em Bangu (Zona Oeste), bem longe.

Bem, depois do sucesso da primeira faixa, você gravou uma paródia de uma música do Shawn Mendes…

É uma paródia de “Señorita”. É uma música que fala de saudade, tem uma letra diferente. É putaria, mas é romântica.

E por que também você decidiu cantar putaria, letras mais explícitas? O funk tem vários estilos.

Eu acho que o funk putaria era o que eu tinha mais contato, eu mais ouvia. Então era o que eu mais queria fazer porque era o que mais me influenciava, e me influencia até hoje.

As pessoas estão mais acostumadas a ver os homens cantando esse tipo de letra…

Eu acho que, para mim, é um empoderamento diário. Porque eu estou cantando sobre o meu prazer, sobre o meu corpo, e são temas muito importantes para mim, por ser mulher. É sempre um pouco assustador ver uma mulher cantando sobre essas coisas. E eu acho que isso é mais que necessário, acho que o funk precisa disso, precisa de mulheres cantando sobre o próprio prazer. Existem mulheres que ainda não descobriram o próprio corpo, não descobriram que o corpo é uma bomba de prazer, uma bomba sexual. E eu quero passar isso nas minhas músicas, essa mensagem.

Você sente que as pessoas às vezes confundem as coisas, por você cantar sobre sexo explicitamente? Como é a abordagem contigo?

Tem bastante gente que confunde, sim. Por exemplo, no meu Instagram eu recebo muito mensagem de homem bem nojenta. Mandam fotos do piru, mandam mensagem lixo. Tem isso. Por você estar cantando sobre o seu corpo, a pessoa acha que tem a liberdade de vir com qualquer papo para cima de você. Isso também é uma ideia bem errada.

E pessoalmente também?

Pessoalmente ainda não rolou nenhum constrangimento. A pessoa fica mais com medo, pela internet ela acha que pode tudo.

E você está solteira ou comprometida?

Solteira.

E como é em família, com a galera da sua cidade?

Pois é. A minha cidade é muito pequena (cerca de 200 mil habitantes), então teve gente que se chocou muito. Bem provinciana, do interior do Rio Grande do Sul, ou seja, já não tem muito funk putaria lá, é mais o ostentação. Então, quando eu lancei “Grelinho”, o pessoal já se assustou um pouco, minha família. Mas quem é mais próxima de mim é minha mãe, que hoje em dia mora comigo. Para mim, só importava a opinião dela mesmo, nunca liguei muito para o que os outros pensavam. Como ela me apoia, tudo bem.

Vocês moram onde hoje?

Na Penha.

É uma região com bastante funk também. Isso influenciou a música que você faz?

Sim, influenciou. Tem outras músicas que eu acho que vou lançar com DJs daqui da região também.

Você saiu de uma cidade pequena para vir morar no subúrbio do Rio, que não é a cidade do cartão-postal. Como foi essa experiência?

Lá no Sul eu já não tinha uma vida muito privilegiada. A minha realidade já não era tão de cartão-postal, como você disse. Mas foi uma coisa bem impactante o que eu vi no Rio, porque aqui tem boca de fumo ao ar livre, coisa que no Sul eu nunca tinha visto. Eu já estava esperando um pouco, mas sempre tem um choque. Porque é uma realidade muito diferente.

Agora você já se acostumou?

Já. É porque eu não imaginava que ia ser como nos filmes, “Cidade de Deus”. Mas é. Foi isso que mais me surpreendeu.

Você já tem coisas previstas para saírem este ano?

Tenho, sim. Não está nada pronto ainda, mas tem uns lançamentos que vão vir.

Quantas músicas você pretende lançar?

Eu pretendo lançar um EP, com umas seis músicas.

Você diz que não se prende ao funk, que cantaria outros estilos. Quando você imagina sua carreira, o que pretende cantar?

Eu curto bastante rap e curto muito brega — tecnobrega, brega-funk. Então acho que eu vou mais nesse sentido. Um trap, talvez.

A gente falou do funk ostentação, do 150BPM, eu ia falar mesmo do brega-funk, que cresceu muito. O que você acha dele?

Sim, cresceu muito. Eu acho perfeito. Tem uma versão de “Grelinho de diamante” brega-funk que eu super amei. Quero muito fazer mais.

E tem alguma cantora que influencia você, em quem você se inspira?

Sim, total. Eu me inspiro muito na MC Rebecca, que é uma cantora de 150 aqui do Rio, e na Cardi B, sou muito fã.

O que você sonha para a sua carreira? Como você se imagina daqui a alguns anos?

Ah, eu me imagino fazendo mais dinheiro, mais famosa e com vários hits.

Agora, o estilo que você canta, para você ir em programas de TV e tal, você acaba não podendo cantar isso, você tem que fazer versões…

Eu pretendo lançar algumas coisas já bem light. Claro que sempre tendo alguma sacanagem, porque eu não vou perder a minha essência. Mas de forma mais light, para poder ficar mais livre.

Teve alguém que inspirou você na hora de compor as duas faixas que você já lançou?

Não. Os clipes foram uma junção de influências de moda que eu gosto muito de trazer no meu vizinho. “Grelinho” e “Saudade” têm uma estética anos 2000, uma coisa bem princesinha, bem rosa.

Mas a na hora de compor as músicas?

A “Saudade” sim. Teve um boy de quem eu sentia saudade e tal, e foi isso que inspirou essa música.

Vai lá:
Baile do Ademar
Quando: Sábado, 29 de fevereiro, às 22h
Onde: Cordão da Bola Preta. Rua da Relação, 3 – Lapa
Quanto: R$ 20 (1º lote) a R$ 40

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‘Hoje a funkeira é a mulher que todo mundo gostaria de ser’, diz Valesca http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/23/hoje-a-funkeira-e-a-mulher-que-todo-mundo-gostaria-de-ser-diz-valesca/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/23/hoje-a-funkeira-e-a-mulher-que-todo-mundo-gostaria-de-ser-diz-valesca/#respond Sun, 23 Feb 2020 09:00:55 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1344

Lá se vão 20 anos desde que Valesca Popozuda formou o grupo Gaiola das Popozudas, que conquistou projeção em um meio tão dominado pelos homens como era o funk na época. Em 2012, saiu em voo solo e começou a preparar a nova fase de sua carreira, em que se aproximou do pop e passou a lançar músicas com letras mais brandas.

Em novembro de 2012, no entanto, ela lançou “Furduncinho”, com letra mais apimentada que a de seus outros trabalhos solo, que tem entre os autores dois dos responsáveis por “Beijinho no Ombro”, André Vieira e Wallace Vianna. “O meu público sempre foi adulto e ele sentiu falta do proibidão. Os meus fãs me cobravam muito. E aí eu quis comemorar os meus 20 anos de carreira do jeito que eu comecei”, conta Valesca.

Outras cantoras alcançaram o sucesso no funk depois dela, mas a carioca de 41 anos, cria de Irajá, jamais perdeu seu posto. O sucesso pode ser medido nas redes sociais, onde é bastante ativa, sobretudo no Twitter (onde tem 1,6 milhão  de seguidores, além de 2,8 milhões no Instagram e quase 600 mil no Facebook).

Valesca comemora o momento das mulheres no funk e acredita que o universo desse gênero musical já não é tão preconceituoso assim com elas. “Se você notar, todas as músicas nos ‘tops’ são com mulheres, que estão fazendo sucesso”, diz. “O machismo também não é mais tão forte como era antigamente. Mudou bastante, melhorou muito. Antes, não era aceitável que uma mulher dominasse um baile funk. Ela era retratada nas músicas somente como uma “tchutchuca”. Hoje em dia (risos), nós, mulheres, somos rainhas. E aquela mulher que todo mundo gostaria de ser”, festeja. 

Nas prévias carnavalescas, ela participou do Bloco da Favorita e de um dos ensaios abertos do Amigos da Onça, além de ter dado pinta na plateia do Bloco da Claudia, de Claudia Leitte. Nesta segunda, ela é uma das convidadas do Bloco da Pocah, que acontece nos Jardins do MAM. “Eu amo carnaval”, diz a cantora, que já foi madrinha e rainha de bateria de escolas de samba de São Paulo e do Rio.

Como é sua relação com carnaval? O que gosta de fazer quando não está trabalhando?

Eu amo carnaval. Quando eu não estou trabalhando, com certeza eu estou na Avenida. E, às vezes, até trabalhando e me divertindo também.

Como se prepara para a maratona nessa época?

Eu faço uma alimentação balanceada, faço muito aparelho de estética, drenagem, que eu gosto muito e que já me ajuda bastante.

O funk está novamente numa fase de destaque. O que acha do atual momento do estilo? E do atual momento das mulheres do funk?

Está maravilhoso. Se você notar, todas as músicas nos “tops” são com mulheres, que estão fazendo sucesso. Não podemos esquecer que é em função do público, que tem aceitado cada vez mais a mulher no funk.

Você já falou algumas vezes sobre o machismo no funk. Acha que as coisas mudaram nesse sentido?

O machismo também não é mais tão forte como era antigamente. Mudou bastante, melhorou muito. Antes, não era aceitável que uma mulher dominasse um baile funk. Ela era retratada nas músicas somente como uma “tchutchuca”. Hoje em dia (risos), nós, mulheres, somos rainhas. E aquela mulher que todo mundo gostaria de ser.

Com o 150 BPM, o Rio voltou a ter protagonismo na cena funk. O que acha do estilo?

Eu gosto muito do funk carioca, não tem como não ter um estilo próprio. Ninguém resiste a um 150 BPM com uma boa batida. Fico feliz em ver que o funk tem dado muito a volta por cima.

Você conquistou um novo público com músicas com letras mais “leves”. Por que quis voltar a cantar músicas mais explícitas?

O meu público sempre foi adulto e ele sentiu falta do proibidão. Os meus fãs me cobravam muito. E aí eu quis comemorar os meus 20 anos de carreira do jeito que eu comecei. E eu tenho orgulho da minha raiz, sabe? Então eu quis dar esse presente tanto para eles como para mim.

Mulheres são muito cobradas pela imagem, e famosas mais ainda. Como lida com essas cobranças e o passar do tempo?

Parei de ceder a tanta cobrança. Faço as coisas para me sentir bem. Chega de dietas malucas, de horas e horas em academia. Eu procuro manter a saúde, que eu acho que é o principal, e o resto a gente corre atrás.

Vai lá:
Bloco da Pocah
Quando: Segunda, 24 de fevereiro, às 16h
Onde: Jardins do MAM. Avenida Infante Dom Henrique, s/nº – Aterro do Flamengo
Quanto: De R$ 15 (2º lote pista, meia) a R$ 60 (1º lote backstage, inteira)

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Awurê, o quilombo urbano que atrai público à Zona Norte do Rio http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/15/awure-o-quilombo-urbano-que-atrai-publico-a-zona-norte-do-rio/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/15/awure-o-quilombo-urbano-que-atrai-publico-a-zona-norte-do-rio/#respond Sat, 15 Feb 2020 09:00:25 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1328

A roda do Awurê em Madureira. Foto: divulgação Awurê

Há dois anos, quatro amigos se reuniam para produzir uma roda que reafricanizasse o samba, tão embranquecido ao longo de sua história, e, mais do que isso, um evento que fosse referência de cultura negra. Assim, o Awurê — termo iorubá que significa um desejo de boa sorte — ganhava a cara que tem hoje. Se no início foi difícil e eles chegaram a ter público de apenas 20 pessoas, hoje a roda, que é mensal, atrai de 600 a 700 de diversos cantos da cidade e até de outros estados, além de se apresentar em outros lugares do Rio. A próxima edição acontece este domingo, no Quintal de Madureira.

“A gente começou com a ideia mesmo de criar um lugar de aquilombamento, onde pudesse falar de religiosidade, pertencimento, da cultura negra e das influências que a gente sabe que são de origem negra, mas durante anos  tentaram fazer com que isso não fosse notório para nós”, lembra a cantora Fabíola Machado, uma das produtoras.

O evento é realizado por quatro produtores: além de Fabíola, que também é cantora da roda do Moça Prosa, estão por trás dele Anderson Quack, que também é diretor artístico do Awurê, diretor do programa ‘Espelho’ e fundador da Cufa; Pedro Oliveira, responsável pelo audiovisual, filho do produtor Dom Filó e nome por trás do canal Cultne, que registra a cultura afro-brasileira há mais de 30 anos, e Arifan Júnior, compositor e cantor.

“A roda existia antes, mas não tinha essa proposta. A partir de 19 de janeiro de 2018, ela passou a acontecer no Quintal de Madureira, onde a gente decidiu fazer debaixo de uma árvore, por toda a questão religiosa, um ambiente que a gente considera que seja cultural. Porque nós acreditamos que o candomblé, as religiões de matriz africana são mais que uma religiosidade: são uma forma de viver mesmo, de estar se conectando com a África”, explica Fabíola.

No caldeirão do Awurê entram ritmos brasileiros como variações do samba, jongo, ijexá, coco, maracatu e toques do candomblé, além de estilos musicais dos países vizinhos, como o candombe e a salsa. “A ideia é reafricanizar o samba, usando como catalisador para isso os tambores e os ritmos afro, sejam do jeje, do ketu, nagô, seja o próprio samba de caboclo aqui do Rio de Janeiro. Os tambores são sagrados para nós”, descreve Fabíola. “A gente hoje nem se considera somente uma roda de samba, porque estamos colocando todos os ritmos a que a gente tem acesso, que nos remetem aos nossos sons de África.”

A escolha do bairro da Zona Norte para sediar o evento foi estratégica, ela conta. “Madureira respira cultura negra. A gente fez lá para demarcar o nosso Quintal como uma forma de resistência também. Existem outros grupos que fazem trabalhos lá há muitos anos, como o Agbara Dudu, o Samba na Serrinha, o Fuzuê de Aruanda. São iniciativas que preservam a cultura popular”, observa. “A gente se soma a esse grito de: ‘Ei, estamos aqui fazendo cultura, só precisamos ser vistos.’ E hoje conseguimos trazer pessoas da Zona Sul, de Niterói, de outros estados para Madureira. E, apesar termos um evento itinerante, temos o nosso Quintal para trazer as pessoas para conhecer, aquele lugar onde a gente se reúne para falar de identidade, cultura e religião”, diz a cantora.

A roda acontece uma vez por mês, sempre começando à tarde. “Aos longos desses anos, a gente entendeu nosso público. Hoje, no Quintal, recebemos mães e pais de santo de vários terreiros do Rio de Janeiro, seja de umbanda ou de candomblé. Então a gente não podia fazer um evento tarde da noite, porque tem um público infantil e de senhoras muito grande. Senhoras que esperam uma vez por mês parra estar ali, falando do profano e do sagrado, dentro do respeito com que isso pode ser dividido”, analisa ela.

Fabíola, que é ekedi no candomblé há mais de 25 anos, conta que os quatro produtores seguem a religião e sentiam a necessidade de realizar algo onde pudessem cantar sua religiosidade e recordar as raízes negras do samba. “O que a gente precisava, na música, na cultura e na arte em geral, era lembrar as pessoas de que isso é um processo africano. Tudo isso. O samba é um braço da África, assim como o jongo. É importante a gente ter consciência do que está cantando”, defende.

A ideia é ir na contramão do apagamento da cultura negra no Brasil e fazer com que pessoas negras se reconheçam como tal e valorizem sua história. “É um projeto de conscientização no qual a gente achou a necessidade de falar sobre essas coisas e também sobre a felicidade de viver uma religião que não seja imposta. Mostrar e dizer que Exu não é diabo, que Iemanjá é preta e é nossa mãe. A gente fala muito que, se a gente tivesse, desde criança, a consciência de que existe no mar uma mãe que guarda, que protege, a nossa relação com a natureza ia ser outra. De saber que uma árvore tem um espírito. Assim como os indígenas, o povo iorubá também acredita que as nossas deusas e deuses estão nas árvores”, exemplifica Fabíola.

Por falar nisso, não à toa a roda do acontece estrategicamente embaixo de uma frondosa mangueira. “Ela é nosso axé, é ela que nos dá força, a raiz dela está muito ligada à gente. A copa dela nos fortalece e nos protege. Embaixo dela é que acontece nosso canzuá (casa), nosso fortalecimento, nosso reconectar. É como se estivesse fazendo um ciclo, as raízes tocando os nosso pés descalços. A gente faz questão do ambiente estar coberto de folhas, de estar com esse ar de natureza, como se a gente estivesse entrando num terreiro mesmo”, conta ela.

E, se hoje o lugar se transformou numa espécie de quilombo urbano, quando começaram eles não faziam a menor ideia de que isso poderia acontecer. Pelo contrário: tinham medo de que o projeto não desse certo. “A gente teve muito prejuízo, essa é verdade, porque ficamos durante um ano construindo essa ideia. Ela já estava formada dentro de nós quatro, a gente já sabia o que queria, o som que queria, a imagem que queria passar, porém as pessoas ainda não conheciam, então não iam. Já aconteceu de fazermos samba para 20, 30 pessoas. Então, hoje ver o Awurê sendo considerado um quilombo urbano, um lugar de africanização, colocando ali toda essa responsabilidade que isso também traz, para nós é algo surpreendente. A gente fala que o Awurê tem vida própria, ele está nos conduzindo”, filosofa Fabíola.

Vai lá:
Roda do Awurê
Quando: Domingo, 16 de fevereiro, às 17h
Onde: Rua Pirapora, 104 – Madureira
Quanto: R$ 15

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‘Sofro ameaças constantemente, agressões, xingamentos’, diz Ana Cañas http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/07/sofro-ameacas-constantemente-agressoes-xingamentos-diz-ana-canas/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/02/07/sofro-ameacas-constantemente-agressoes-xingamentos-diz-ana-canas/#respond Fri, 07 Feb 2020 16:04:11 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1311

Ana Cañas canta no Circo sábado. Foto: divulgação/José de Holanda

Há três anos, Ana Cañas resolveu se engajar na militância pelas causas em que acredita — o combate ao racismo, ao machismo e à LGBTfobia, entre outras coisas —, defendendo abertamente suas ideias nas redes sociais e se apresentando em espaços como a Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, e assentamentos do movimento. Essas experiências resultaram no disco ‘Todxs’, lançado em 2018, com músicas que falam sobre o empoderamento e a sexualidade das mulheres.

Assumir essa postura não foi fácil: além de perder shows por conta de seu posicionamento político, ela passou a sofrer ataques nas redes sociais e até em seus shows. “Já me tacaram ovo no palco, já me tacaram latinha de cerveja enquanto eu cantava músicas que defendem abertamente a sexualidade feminina, que ainda é um assunto muito tabu na sociedade”, conta.

Mas a cantora não se arrepende do caminho que escolheu. E entende que é preciso se reconhecer como parte de uma estrutura opressora para combatê-la. “Acho que existe uma responsabilidade de pessoas brancas, por exemplo — que é o meu caso —, na questão do racismo estrutural. Esse sistema foi construído dessa forma por pessoas brancas e elas costumam compactuar com ele porque elas se beneficiam desses privilégios. Cabe a nós, pessoas que recebem esses privilégios, desconstruir e nos tornar aliados nas causas, seja a antirracista, a antigordofobia, a antiLGBTfobia”, reflete.

Mesmo tendo passado por momentos difíceis em sua vida — ela saiu de casa cedo, morou em um pensionato e muitas vezes mal tinha o que comer, tinha que lidar com o alcoolismo do pai e, depois da morte dele, ela própria passou a abusar da bebida —, ela consigo enxergar os privilégios que sempre teve. “Talvez eu tenha cantando nos bares e tenha conseguido assinar um contrato com uma gravadora por ser uma mulher branca. Provavelmente”, diz. 

Enquanto trabalha no próximo álbum, previsto para este ano ainda, ela segue com as apresentações da turnê ‘Todxs’. Neste sábado, ela se apresenta no Circo Voador, abrindo a noite, que ainda conta com Adriana Calcanhotto. Também se prepara para estrear um programa sobre sexualidade no Canal Brasil. “Fiquei bastante contente com esse convite, acho que vai ser um programa muito importante na televisão brasileira, a gente vai receber mulheres cis, mulheres trans, todo tipo de história, vai ser muito interessante, eu vou aprender bastante também”, comemora a artista.

As discussões identitárias avançaram muito no país nos últimos anos. Você fez um disco totalmente político, ‘Todxs’, com capa e nome bem simbólicos. Dá para continuar compondo sobre os mesmos temas depois de tanta mudança? De que forma esses debates influenciaram você como artista?

Sim, eu acho que as questões identitárias ganharam bastante espaço por conta da internet também. Possibilitou que as minorias políticas e constitucionais tivessem voz, espaço e mais expressividade, não dependendo da grande mídia para poder discutir suas pautas, as opressões e tudo mais. O disco ‘Todxs’ é fruto dos rolês que eu fiz nos últimos três anos, que envolvem uma militância pelos direitos e também uma militância efetiva de conhecer espaços, de fazer shows em muitos lugares aonde muitas vezes a música, a cultura e a arte não chegam tanto, como o MST, eu fiz shows no interior do Nordeste, na (Escola Nacional) Florestan Fernandes, em vários lugares e assentamentos, na Coperifa, saraus nas quebradas, nas ocupações em São Paulo, e o disco ‘Todxs’ é resultado dessas vivências, dessas trocas, aprendizados. De entender como o sistema funciona, que existe um mecanismo de opressão que é estruturalmente racista, machista, homofóbico, enfim, e outras coisas. Então eu escrevi esse disco por esses aprendizados. Com certeza é difícil continuar falando, por exemplo, sobre um amor entre casal, que é o tema de umas das minhas musicas mais conhecidas, como “Pra você guardei o amor”, que é do Nando Reis (gravada em dueto por Ana e ele), e algumas outras canções. Eu acho que o disco, a arte, ela reflete muito a vida. Pelo menos para mim sempre foi dessa forma. Os discos refletem um momento de vida. E o ‘Todxs’ é bastante esse reflexo dessa vivência toda. No instante em que o país ficou bipolarizado, eu achei muito importante tomar uma posição a favor da democracia, do estado de direito, usar a minha voz, a visibilidade que eu tenho com a música para defender outras coisas que não envolvem só a música em si, ou só a arte, mas também acesso a direitos e muitas coisas que são negadas, que estão na constituição e que a gente ainda está longe de alcançar, infelizmente. A gente está vivendo um momento de desmonte do aparelho cultural do país, um retrocesso imenso em relação ao feminismo, aos direitos das pessoas pretas e periféricas, à acessão econômica e social da população periférica brasileira. Está havendo um recuo em relação a todas as esferas, incluindo educação saúde, sexualidade, ao estado laico, infelizmente. Então o disco é muito o reflexo disso tudo.

Por falar nisso, você já passou por ameaças pessoalmente e nas redes por conta do seu ativismo. Continua acontecendo? Como lida com isso?

Sim, eu passo por essas situações, infelizmente. Sofro ameaças constantemente, agressões, xingamentos. Na época das eleições, cheguei a receber algumas ameaças. Já me tacaram ovo no palco, já me tacaram latinha de cerveja enquanto eu cantava músicas que defendem abertamente a sexualidade feminina, que ainda é um assunto muito tabu na sociedade. E eu acho que uma das ferramentas mais opressoras do patriarcado é a questão ligada à sexualidade feminina. Entre outras, mas essas com certeza é um dos pilares desse sistema que oprime as mulheres. Aconteceu muita coisa nesses últimos três anos. Ao mesmo tempo que eu fazia essa militância na internet, nas redes, também tem a dos shows e das entrevistas, os espaços onde eu estou — que nem sempre estão dialogando com o que eu acredito, com o que eu defendo. E acontece constantemente. Acho que existe um preço por se posicionar, e é por isso que muitos artistas, pessoas com visibilidade muitas vezes optam por não se posicionar. Porque existe um preço nesse sentido, de você ser alvo de ataques, agressões, violência. Também tem a ver com a questão monetária. Por exemplo: eu já perdi alguns shows, que não foram poucos, quando as pessoas descobriam o meu ativismo, a minha militância. Quando você se posiciona, está defendendo ideias, e nem sempre contratantes, patrocinadores, marcas estão alinhadas com elas, porque elas dependem do público que consome os produtos dessas marcas. Mas é como eu sempre digo: eu prefiro deitar minha cabeça no travesseiro à noite sabendo que eu estou fazendo a minha parte. E, mais do que isso, acho que existe uma responsabilidade de pessoas brancas, por exemplo — que é o meu caso —, na questão do racismo estrutural. Esse sistema foi construído dessa forma por pessoas brancas e elas costumam compactuar com ele porque elas se beneficiam desses privilégios. Cabe a nós, pessoas que recebem esses privilégios, desconstruir e nos tornar aliados nas causas, seja a antirracista, a antigordofobia, a antiLGBTfobia. Tudo isso para mim chegou num momento em que achei fundamental defender essas bandeiras todas, me tornando uma aliada nas lutas.

E como é a relação do público com esse álbum? Recebe mensagens com confissões e pedidos de ajuda, coisas do gênero?

A relação do público com esse disco foi muito positiva. Porque, apesar de tudo que motivou a escrever essas letras e essas canções, eu sinto que não é um disco… Por exemplo, as pessoas falam que escutam muito ele para transar, o que eu acho maravilhoso (risos). Elas acham que é um álbum sensual, e tudo mais. Eu tive uma preocupação de não transformar o disco numa obra panfletária, no sentido mais literal. Porque esse trabalho mais direto e ativo eu já vinha fazendo nas redes. Então eu gostaria que a música, no caso do álbum, eu abstraísse um pouco mais, mas sempre levantando a questão da justiça social, do empoderamento feminino, do feminismo,da  legalização da maconha e outras coisas. Eu sinto que um público novo chegou, na verdade. Pessoas que não ouviam meus outros trabalhos e, por conta do ativismo e do posicionamento, chegaram. Agora, diariamente eu recebo pedidos de ajuda. Hoje mesmo uma menina me escreveu no inbox do Instagram para dizer que ela estava sendo assediada no trabalho, que várias outras mulheres no mesmo espaço também estavam sofrendo assédio desse homem e que elas estavam se reunindo para denunciar ele. Diariamente recebo pedidos de socorro, de ajuda, sejam palavras de apoio, dinheiro, visibilidade, publicação. E, na medida do possível eu sempre estou divulgando e dando uma força para todo mundo que precisa. E isso é muito legal, no meu ponto de vista. Eu gosto de poder ajudar de alguma forma as pessoas que estão sofrendo, porque eu já passei por muita situação difícil e sei que, às vezes, a gente não tem uma voz, não tem um abraço, um amigo, alguém que possa nos ouvir. Então eu estou sempre dialogando e faço questão de ler as mensagens e fazer tudo o que estiver ao meu alcance para ajudar.

Você diz que hoje se dá conta de que quase todos os seus relacionamentos com homens foram abusivos. Como se sente em relação a isso? Como buscou ou busca curar essas feridas?

Na verdade, eu não diria que tive relacionamentos abusivos, mas eu passei por muitas situações, nas relações héteros que eu vivi, em que os homens delimitavam o espaço dentro do relacionamento e protagonizavam quase que as escolhas todas que uma relação envolve. Isso foi uma coisa que me chamou atenção quando eu fiz uma retrospectiva feminista na minha própria história. De que existe esse lugar construído socialmente de que o homem é o protagonista. Isso é uma coisa criada por essa sociedade patriarcal mesmo, porque as mulheres são tão ou mais importantes dentro do conjunto das relações, no meu entendimento. Hoje é muito difícil eu entrar num relacionamento mais sólido. Claro que eu sou um ser humano, claro que me apaixono. Também tenho namorado mulheres, saído com mulheres. Mas evito, sabe (um relacionamento sólido)? Outro dia eu vi uma frase que me chamou atenção que falava sobre a Lilith (a mulher que teria sido criada junto de Adão, mas teria se recusado a deitar sob ele na hora do sexo, por não se sentir inferior e que, por isso, teria deixado o Paraíso), ela dizia: “Eu escolho o exílio à submissão.” Eu me identifiquei muito com essas frase, no sentido de que eu prefiro ter uma vida independente, batalhar, lutar, como eu sempre  tive, trabalho desde os 14 anos de idade. Porque chega num ponto da relação que me parece que o homem faz exigências: se não for do jeito dele, começa a complicar e fica ruim para ele. Dificilmente essa voz feminina é respeitada e ouvida da forma que ela deveria. Então seguimos aí, passando o rodinho (risos), maravilhosas.

Recentemente, você fez um post com um balanço da sua história, falando dos tempos de pouco dinheiro, da morte do seu pai e dos problemas com a bebida. Como se sente hoje, olhando para sua caminhada?

Pois é, quando eu olho para trás, entendo que tive uma jornada realmente de muita batalha, muita luta. Eu saí de casa muito cedo, morei num pensionato com muitas garotas de programas, e foi um período onde eu aprendi demais sobre a realidade dessas mulheres, que muitas vezes tinham muito pouco para comer e mandavam dinheiro para os filhos, que moravam muitas vezes em outro estado. Foi uma fase em que eu praticamente passei fome, tinha dias em que eu tinha só duas batatas para comer ou um miojo, sabe? E eu morava num pensionato… Enfim, contei lá nos posts, está tudo lá escrito. Depois eu comecei a cantar na noite e tudo mais, também não foi fácil. Meu pai era dependente alcoólico e eu internei ele nove vezes. Hoje, com a maturidade dos meus 39 aqui que me cabe — se é possível dizer maturidade —, do alto dos meus 39 eu vejo que as coisas que não me destruíram me fortalecerem e também me transformaram na mulher que eu sou hoje. E, para as coisas que eu posso contribuir, no sentido de alguma discussão positiva, são reflexões que eu obtive ao longo do caminho. E também entendi que era muito importante não me amargurar com as coisas difíceis, apesar delas serem difíceis. Era muito importante que eu preservasse a esperança de alguma forma, o amor, o afeto, porque era isso que acabava me salvando. Os amigos, as amigas, a música, a arte, muitas vezes. A reflexão que eu tenho hoje é que sou grata, porque, apesar de tudo que eu passei, ainda consigo enxergar os meus privilégios dentro da sociedade em que a gente vive. Talvez eu tenha cantando nos bares e tenha conseguido assinar um contrato com uma gravadora por ser uma mulher branca. Provavelmente. Então eu penso assim: o que eu vou fazer com as ferramentas que eu tenho nas mãos? Com a visibilidade que eu tenho, onde é que eu posso contribuir? Mas eu acho que é isso: o amor e a luta são o caminho da vida mesmo. Sou muito grata e feliz por todas as coisas que eu conquistei com muito trabalho.

Já pensa no sucessor do álbum? Quais são seus próximos planos na carreira?

Sim, já tem o próximo disco, ele já existe. Estou bastante animada, já escrevi as canções e agora estou começando a gravar as demos. É um disco que deve sair este ano ainda, com certeza. Não sei se no final do primeiro semestre ou no segundo. Mas eu devo lançar um single em breve, nos próximos dois meses devo já ter uma prévia desse disco. Recebi um convite também para apresentar um programa no Canal Brasil sobre sexualidade. Fiquei bastante contente com esse convite, acho que vai ser um programa muito importante na televisão brasileira, a gente vai receber mulheres cis, mulheres trans, todo tipo de história, vai ser muito interessante, eu vou aprender bastante também. E a gente dá continuidade aos trabalhos aí, seguimos tocando, agenda fazendo shows, equilibrando as contas e investindo no que dá. Enfim, é isso… Queria convidar todo mundo para o show do Circo Voador, que vai ser lindo. Eu sou uma grande fã da Adriana Calcanhotto, uma querida, grande compositora, vai ser uma noite mágica. Dividir o Circo Voador com ela vai ser incrível.

Vai lá:
Ana Cañas + Adriana Calcanhotto
Quando: Sábado, 8 de fevereiro, às 22h (abertura dos portões)
Onde: Circo Voador. Rua dos Arcos, s/nº – Lapa
Quanto: R$ 70 (meia-entrada ou com um 1kg de alimento) a R$ 140 (inteira)

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‘Se eu recebi tanto privilégio, preciso distribuir isso’, diz Rubel http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/01/31/se-eu-recebi-tanto-privilegio-preciso-distribuir-isso-diz-rubel/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/01/31/se-eu-recebi-tanto-privilegio-preciso-distribuir-isso-diz-rubel/#respond Fri, 31 Jan 2020 16:10:58 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1299

Rubel começa a preparar novo álbum: Foto: divulgação/Ibrahem Hasan

Depois do sucesso do primeiro disco, ‘Pearl’, de 2013, foi inevitável o frio na barriga do segundo álbum. O cantor e compositor Rubel tinha visto seu trabalho tomar uma proporção que ele não imaginava depois que o clipe da música “Quando bate aquela saudade”, hoje com 42,5 milhões de visualizações, viralizou. Com o crescimento de seu alcance, veio o medo do passo seguinte. “Eu tinha muito receio sobre esse mito do segundo disco, de ser, de alguma forma um trabalho que define a carreira de muitos artistas para melhor ou para pior. E, esse padrão, de alguma forma, existe, se você observar”, admite ele, em entrevista ao blog.

Ainda assim, ele contrariou o dito popular e mexeu em time que estava ganhando, trazendo influências do rap, do samba, da MPB e da música eletrônica para ‘Casas’, seu segundo álbum, lançado em 2018.  Agora, Rubel começa a tirar o pé do acelerador para mergulhar no processo do próximo disco. Mas sem pressa: a ideia é lançar em 2021 ou 2022. Uma das últimas chances para conferir a turnê de ‘Casas’ será este sábado, na Fundição Progresso, quando ele divide a noite com Gal Costa.

Ainda compondo as primeiras faixas do novo trabalho, ele conta que tem se inspirado na literatura, sobretudo no realismo fantástico, e que pretende que suas canções digam mais sobre seu entorno do que sobre si próprio. “Eu quero muito poder falar do outro, falar do Brasil, falar do que eu vejo, e menos de mim. Isso inclui, sem dúvida, poder falar sobre política, sobre a situação do Brasil”, adianta.

Rubel também reflete sobre sua condição de homem branco e heterossexual em um momento em que as discussões sobre diversidade só fazem crescer no país. “Acho que o meu papel é usar meu privilégio da melhor forma possível”, analisa ele. “Espero que meu trabalho seja um instrumento para propagar compreensão e amor. E que eu possa, diretamente, trabalhar com pessoas que estejam fora desse padrão de privilégio do qual eu faço parte”, diz. 

Você vai parar ou dar uma diminuída nos shows pra já começar a trabalhar num próximo disco. Quero começar falando do ‘Casas’, porque sempre tem aquela coisa do segundo disco de um artista que estourou, com um único trabalho ainda. Sempre tem uma expectativa, e queria saber de você o balanço dessa turnê, o que você sentiu? O disco teve hit de novo (“Partilhar”, com a dupla Anavitória), igual ao seu primeiro. Como você avalia?

Avalio da melhor forma possível porque, de fato, eu tinha muito receio sobre esse mito do segundo disco, de ser, de alguma forma um trabalho que define a carreira de muitos artistas para melhor ou para pior. E, esse padrão, de alguma forma, existe, se você observar. Então eu trabalhei muito obsessivamente para que ele tivesse, de alguma forma, à altura do primeiro e que, ao mesmo tempo, levasse o trabalho para outro lugar, que não fosse uma tentativa de repetir. E eu acho que o que aconteceu foi exatamente isso, ele foi um disco muito bem aceito pelas pessoas que já conheciam o primeiro e, ao mesmo tempo, conseguiu chegar a muitas pessoas que não conheciam ou não gostavam do meu trabalho. Acho que, por ter explorado um universo musical diferente, por ter uma mistura de hip hop, R&B, samba, para mim foi o melhor dos mundos, porque eu consegui manter o público que tinha construído e, paralelamente, levar o trabalho para muito mais gente. 

Você disse que, na época em que estava compondo o disco, estava escutando muito rap e música brasileira dos anos 70. Continua com essas influências? Você compôs algumas coisas para o novo álbum, não é? O que você tem escutado?

Tenho escutado um pouco menos de hip hop e muita MPB, samba e bossa nova, basicamente tudo o que foi feito na música brasileira ali do final dos anos 50 até o final dos anos 70. O caminho que o próximo está apontando até agora é isso: resgatar um pouquinho a tradição da música brasileira e apontar novos caminhos. Acho que vai ser um disco mais de MPB do que os dois que eu já fiz. É um disco de canção, de letra.

Você tem falado bastante que perdeu qualquer vergonha de ser popular. Seu desejo é ser um artista que chega em todos os cantos do país? O que inspira isso em você artisticamente? Você gravou Maiara e Maraísa, o que já é um contato com esse tipo de coisa muito estourada, mainstream…

Artisticamente, a minha vontade é a de fazer exatamente o tipo de música que eu quero, que eu acredito. Eu não tenho nenhuma vontade de comprometer as coisas que eu crio, as coisas que eu gosto em virtude de ser popular. Agora, o meu objetivo e o que eu sonho, não só para mim, mas para toda essa galera independente e que está vindo nos últimos cinco anos, é conseguir ocupar um lugar de mais destaque no meio popular, fazendo o que a gente faz. Observando o mercado, para mim, tem um desnível muito grande numericamente, em termos de reconhecimento popular, entre o que artistas pop, que fazem música sertaneja e funk, e essa galera independente. Você coloca pessoas que têm mais de dez anos de carreira, e esse desnível eu acho que acontece não pela qualidade musical ou por esses artistas estarem fazendo uma música que seja hermética, difícil. Acho que é muito pela forma como o mercado está estruturado, pela abertura que as rádios e os canais de TV têm. Essa vergonha que eu perdi que é de levar minha música até esses veículos, de tentar penetrar nesses lugares e abrir portas para a galera que está vindo nesse mesmo movimento, nessa estética parecida com a que eu estou fazendo. Isso não quer dizer tirar o espaço de ninguém, acho que o sertanejo é maravilhoso e merece o lugar onde está, o pop e o funk também, mas seria lindo ver essa MPB que está surgindo também ocupar um espaço de popularidade.

Mas, ao mesmo tempos, os próprios artistas da nova MPB, que é essa MPB com inspiração forte no folk, a gente vê eles alcançando grande popularidade. Por exemplo, você gravou com Anavitória, e elas têm um público enorme…

Acho que elas são exemplo perfeito disso tudo que eu estou dizendo. Elas conseguem manter a integridade artística, fazer canção, elas fazem um trabalho lindo e conseguem ser populares ao mesmo tempo. Acho que muito por conta do trabalho delas, que é incrível, e do Felipe (Simas), que é um grande empresário, ele conseguiu achar e abrir essas portas, ele conseguiu achar esses espaços em que uma MPB, de canção romântica e delicada pudesse estar ocupando um espaço de tanta popularidade quanto o funk e o sertanejo. Isso é maravilhoso. 

Você teve músicas em novela (“Quando bate aquela saudade” em ‘Onde nascem os fortes’, “Partilhar” em “Malhação Vidas Brasileiras”, a versão de “Ontem ao luar” em ‘Éramos seis’). Sentiu o impacto disso no crescimento do seu público?

Eu estou entendendo mais agora, porque é a primeira vez que tenho uma música (a versão de “Medo bobo”, de Maiara e Maraísa) na novela das nove, ‘Amor de mãe’, e a das nove é um caso à parte, é diferente das outras novelas. Então eu estou entendendo, realmente não sei te dizer. Agora, a minha impressão é que a novela já não é mais tão expressiva quanto era antigamente. O número de seguidores que eu ganhei depois do clipe de “Partilhar”, com as Anavitória e com a Marina (Ruy Barbosa) foi gigantesco comparado com o efeito que a novela tem (o vídeo tem mais de 9 milhões de visualizações). Isso é muito nítido, a novela não dá nem dez por cento de crescimento comparado ao que um clipe tem. Então eu acho que a internet ainda é muito mais poderosa ainda do que a novela, hoje em dia.

Porque talvez nem todo o público da novela seja do tipo que vá procurar clipe e artista nas redes. Talvez os fãs da Marina, mais jovens, por exemplo. E, aliás, como é que foi isso dela participar? Lembro dela falando que tinha uma relação pessoal com a música, que ela quis fazer. Como é que foi isso para vocês?

Ao longo do ano passado todo, a Marina sempre postava nos stories do Instagram dela essa música, “Partilhar”, a versão original, porque era a música dela com o marido dela. E aí, quando surgiu a ideia do roteiro, que seria um casal, imediatamente me veio ela na cabeça, por saber que ela já tinha uma relação tão forte com essa música e por ela ser uma puta atriz, eu achei que teria a ver e saberia que ela provavelmente iria conseguir trazer uma verdade para essa história, por já ter uma relação pessoal.

E você é formado em Cinema. Como avalia a relação do audiovisual com a música hoje? Esse clipe, por exemplo, foi você que idealizou. Como você vê essa relação do consumo de música…

Eu vou citar a Anitta. No documentário dela, ela fala que brasileiro gosta de ouvir música com imagem. Quando ela fez aquele projeto de quatro clipes seguidos (“Check Matte”), ela falou sobre isso: brasileiro gosta muito de lançamento de música que vem com clipe. Com o YouTube, com a internet, o clipe ficou ainda mais relevante do que era antes, quando era restrito à televisão. Para mim é uma puta oportunidade de poder fazer as duas coisas que eu amo, que são cinema e música, e poder adicionar camadas de significado às composições. “Partilhar” é um exemplo disso, porque eu falei muita coisa na música e as pessoas receberam de uma determinada forma. Só que tinha muito mais coisa que eu queria dizer sobre aquele assunto que eu não conseguia, porque aquela música já estava no mundo. Mas, quando fiz o clipe, pude falar exatamente o que queria para além do que a música está dizendo. Essa soma de significado que é a imagem e a música, eu acho que é uma puta ferramenta para você outros outros significados além do que a letra e do que a imagem está dizendo.

Mas, ao mesmo tempo você já falou que gosta de pensar como um álbum inteiro. A gente está falando de clipe e, assim como a música vem sendo lançada, ele não precisa, necessariamente, estar ligado a um projeto fechado, a um álbum. Mas você falou que tem essa predileção pelo formato. Como costuma ser? Você conceitua, pensa numa ideia para ir compondo as músicas?

Eu fiz dois até agora só, então não tenho um método desenvolvido. Primeiro, juntei tudo o que eu tinha feito naquele momento e gravei da forma mais tosca possível, sem arranjo, sem nada. Então o conceito era o que eu tinha, basicamente. O segundo foi uma coisa mais pensada porque, enfim, naquele momento eu tinha que compor para o disco, não tinha o material prévio, então tive que pensar o conceito e partir disso que você estava falando, da mistura do hip hop com a MPB, usando as referências do que estava ouvindo e usando as coisas que estava vivendo na minha vida. Isso era meio que um mote temático, e agora eu estou tentando ir para um outro lugar que é não falar mais tanto da minha vida, não ser um disco autobiográfico, é ser mais próximo de uma crônica, de um conto do que de um diário. Então esse talvez seja o disco mais estruturado nesse sentido, de ideia, de tema e de letra. Que é começar da literatura, tê-la como ponto de partida e cerne das músicas e, a parte musical vir a reboque disso, do que eu estou querendo dizer. Eu acho que este disco vai estar mais calcado na letra e na literatura do que na música.

Que autores inspiram você?

Para esse disco especificamente, eu estou lendo muito Jorge Amado, Gabriel García Márquez, Borges, Saramago. É porque ele está muito no começo, é muito difícil falar sobre ele, mas a minha vontade é que fosse um disco de realismo fantástico. Que ele pudesse ter esse tom.

Você pensa em lançar este ano ainda, ou não?

Não, acho que vai ser ano que vem, se  tudo der certo. Se não, só no outro. Vai ser curioso ler isso daqui a um ano, dois e ver seu meu objetivo se concretizou.

Você se sente, de alguma forma, impelido, com vontade de falar alguma coisa sobre o momento que o Brasil está vivendo? É um período complicado, especialmente para as artes e a cultura, conturbado politicamente… Isso influencia você direta ou indiretamente, como artista?

Os dois. Eu acho que o movimento do próximo disco tem tudo a ver com isso. Ele ser mais próximo de um conto ou de uma crônica do que de um diário tem a ver com isso. Eu quero muito poder falar do outro, falar do Brasil, falar do que eu vejo, e menos de mim. Isso inclui, sem dúvida, poder falar sobre política, sobre a situação do Brasil. O que eu acho mais difícil neste momento é saber o que dizer. Para mim, a música política mais contundente desses últimos anos é “OK, OK, OK”, do Gil, que é justamente sobre isso: como é difícil você ter um discurso relevante, e não óbvio, neste momento em que as coisas — apesar da situação que está posta ser muito evidente, ainda é muito confuso e muito difícil falar sobre isso, sem ter um distanciamento histórico. Então, para mim, começa muito na base da base, que é: o que eu quero dizer sobre isso? Sobre o Brasil? Sobre a situação atual? Mas, sem dúvida, eu estou nesse movimento de falar sobre isso, mais do que falar sobre amor ou as minhas questões, que não importam para ninguém, além de mim, eu acho (risos).

Acaba que o trabalho artístico está muito ameaçado no sentido prático, com cortes de investimentos para certos tipos de trabalhos ou realizadores específicos, interferências em editais públicos… Você sente dificuldade nesse quesito? E também influi no fato das pessoas terem menos dinheiro para ir a show, por causa da conjuntura econômica…

No cinema, especificamente, sim, eu sinto muito isso, porque o que está acontecendo é uma forma indireta de censura — é uma forma direta de censura, na verdade. Quando se determina que certos temas são impedidos de receber verba pública, isso é uma forma clara e direta de se censurar. Acho isso é muito grave. No cinema, principalmente, porque é uma arte muito cara que aqui no Brasil depende cem por cento do dinheiro público, ela não acontece sem ele. Então acho mais preocupante ainda. A música, de alguma forma, está encontrando maneiras de ser independente, de não precisar tanto do dinheiro do governo. Isso por um lado é bom, porque acaba que a gente ainda tem liberdade de se expressar da forma que quer, de falar o que quiser. Mas, sem dúvida, a situação é extremamente preocupante. E acho que a crise econômica se reflete, sim, no meio musical. Vem sendo muito difícil circular. Isso é uma realidade para muita gente. O tamanho do público tem diminuído nos shows, para a grande maioria dos artistas, porque, quando você está em crise, a arte acaba sendo uma das últimas prioridades, né? As pessoas precisam comer, precisam se transportar para outros lugares, então a arte acaba ficando em segundo plano.

Nos últimos anos, sobretudo na música independente, a gente vem falando sobre questões de representatividade, porque a música — como várias áreas no Brasil — sempre foi dominada por homens brancos héteros. E as discussões sobre diversidade têm crescido, no geral. Como você se sente sendo exatamente esse grupo que vem sendo questionado? Como você pensa seu papel neste momento?

Acho que o meu papel é usar meu privilégio da melhor forma possível. Porque, se eu nasci branco, numa família rica, hétero, e tudo isso me ajudou a ocupar um lugar de relevância e a construir uma carreira — porque, sem dúvida, ajudou, e o fato de ter estudado em bons colégios, de poder ter estudado fora —, então, se eu recebi tanto, eu tenho que dar muito. Não tenho que me culpar pelas coisas que recebi, tenho que usar elas de forma sábia e generosa. Espero que meu trabalho seja um instrumento para propagar compreensão e amor. E que eu possa, diretamente, trabalhar com pessoas que estejam fora desse padrão de privilégio do qual eu faço parte. Trabalhar com mulheres, com pessoas negras, incluir da melhor possível. E, futuramente, quando eu tiver mais poder de influência ainda, construir trabalhos sociais e uma escola. É uma coisa que eu penso muito em fazer, que eu acho que na educação está a base da revolução maior, nesse sentido de distribuição de renda e de privilégios. Resumindo, acho que é isso: se eu recebi tanto privilégio, preciso distribuir isso e me doar da melhor forma possível.

Uma escola de música ou escola mesmo?

Olha, isso é um sonho muito a longo prazo, mas tenho muita vontade de fazer uma escola mesmo.

Mudando de assunto e falando sobre o show de sábado: como você espera que seja dividir uma noite com a Gal?

Olha, para mim é muito difícil falar sobre isso, porque é muito surreal ainda. A Gal é uma das minhas maiores ídolas, é uma das pessoas que eu mais admiro, que eu mais ouvi. É uma das pessoas mais importantes para a construção da música brasileira. Ainda acho muito surreal eu poder dividir o palco com ela, cantar com ela. É muito louco. Não tenho como articular melhor isso, porque neste momento eu só acho muito louco.

Vai lá:
Rubel + Gal Costa
Quando: Sábado, 1º de fevereiro, às 22h (abertura dos portões)
Onde: Rua dos Arcos, 24 – Lapa
Quanto: R$ 60 (pista, meia-entrada com 1kg de alimento) a R$ 300 (frisa, inteira)

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‘O brasileiro não se reconhece enquanto negro’, diz Malía http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/01/17/o-brasileiro-nao-se-reconhece-enquanto-negro-diz-malia/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/01/17/o-brasileiro-nao-se-reconhece-enquanto-negro-diz-malia/#respond Fri, 17 Jan 2020 23:39:44 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1285

Malía canta este sábado no Verão do Spanta. Foto: divulgação

Ela ficou conhecida nas redes sociais, onde postava vídeos em que cantava versões de músicas de outros artistas. Logo eles foram fazendo sucesso e chamaram atenção da Universal, que contratou a artista. Isadora Machado trocou o nome de batismo por Malía, de inspiração africana, e deu início a uma trajetória que está em plena ascensão.

Embora cante e componha desde os 14 anos (ela está com 20), a jovem nascida na Cidade de Deus demorou para acreditar que pudesse seguir carreira na música. A decisão veio quando fez o Enem e não conseguia escolher uma faculdade — não se identificava com nada. Começou a postar os vídeos e foi tendo sinais de que deveria enveredar por sua grande paixão.

Feliz em se sentir parte de uma época em que diversas cantoras e compositoras negras estão destaque, ela diz que ainda falta naturalizar a presença do negro em muitos ambientes. “Acho que temos um bom começo, mas precisamos começar a nos aprofundar. É muito fácil a gente se perder pelo caminho e parar na parte estética, porque estamos vendo corpos negros estampados no outdoor. Mas eu quero saber: quantas pessoas negras estão espaço de desenvolvimento da publicidade?”, manda.

Malía se apresenta neste sábado no Verão do Spanta, na Marina da Glória, dividindo o dia com Henrique & Juliano, Kevin O Chris, Anavitória, Gabz, É O Tchan, Homenagem a Beth Carvalho com Roberta Sá, Moacyr Luz, Nelson Sargento e Mumuzinho, Netinho de Paula, MC Rebecca, Chupeta Elétrica, Tatau, Marcelo Mimoso, Céu na Terra, São Clemente e União da Ilha e os anfitriões do evento: Roda do Spanta e Spantosa Bateria. O festival terá edições ainda nos dias 25 de janeiro e 1º de fevereiro.

Você lançou seu primeiro disco, “Escuta”, há mais de seis meses. Como está a sua carreira de lançar o disco?

Olha, o retorno está sendo bem legal. É algo que eu, como uma artista nova, lançando meu primeiro álbum, há seis meses, mas já tendo resultados como três músicas em novelas da Globo — tem uma em ‘Malhação’, “Dilema”, tem uma em ‘Bom Sucesso’ (“Arte”) e agora em ‘Amor de mãe’, “Faz uma locuura por mim”, que é a minha releitura da Alcione. Eu já representei o Brasil em Tulum, no Prêmio Platino de Cinema Iberoamericano, no México, fiz um Rock in Rio… Essas grandes coisas fazem com que eu tenha muita vontade de, cada vez mais, me posicionar enquanto artista e alcançar espaços.

Além das coisas que você já citou, você cantou com a Alcione, gravou com o Rodriguinho com o seu disco… Para você, teve algum momento na sua carreira em que você pensou: “Caramba, isso está acontecendo mesmo?”. Caiu uma ficha para você?

Cara, tem vários momentos. Chegar no estúdio e me deparar com a Alcione, ouvi-la colocar a voz na harmonia que eu pensei, na roupagem que eu pensei (para a música), foi uma parada muito surreal para mim. Outra coisa também — é muito engraçado, eu acho que vai caindo a ficha aos poucos — é quando você chega no show e cantam a sua música. Eu fico assim: “Gente, como assim vocês estão cantando a minha música?”. Para mim é uma coisa muito engraçada. As pessoas ficam assim: “Malía, como assim você está surpresa com isso?”. Mas é que a música para mim é um processo muito natural e, muitas vezes, introspectivo, então quando isso transborda, vai ao público, quando eu externalizo isso e vejo que pessoas gostam, se conectam comigo e, mais do que isso, elas potencializam a música, isso faz com que eu me sinta muito abraçada, faz com quem caia um pouquinho a minha ficha, porque eu acho que não tem como eu saber, entender tudo o que tem me acontecido na proporção que tem sido. Mas dá para eu me sentir feliz e grata. E tendo noção, pelo menos um pouquinho.

E como é que a música surgiu na sua vida? Como você foi tendo desejo de trabalhar com música?

A minha educação musical sempre foi algo presente na minha vida, eu sempre ouvi muita música em casa, os mais mais sempre tiveram muitos CDs. O meu pai, por exemplo: ele construiu duas caixas de som. Comprou madeira, fórmica, tudo. A gente tinha e tem toca-discos. Então sempre foi algo a que eu tive muito acesso. E a minha mãe sempre me falou sobre a importância da música brasileira para mim, sobre a importância de eu me reconhecer enquanto Brasil, de eu gostar daquilo que vem de onde eu moro. Então sempre foi um processo muito natural. Todos os dias na minha casa tia música. Sempre cantei todos os dias. Até que um dia as outras pessoas perceberam que eu era afinada, porque eu canto porque eu gosto. É um negócio que eu me sinto bem (fazendo). As pessoas que foram perceber era algo com que eu poderia trabalhar, para mim foi difícil pensar na música enquanto profissão. Hoje eu me entendo enquanto marca, mas foi difícil. Nem passava na minha cabeça que eu poderia ganhar dinheiro com música, porque era algo que eu amava e fazia parte do meu dia a dia mesmo.

Eu li que você achava que iria seguir carreira acadêmica. Em que momento teve uma virada em que você falou: “Eu posso ser cantora como profissão”?

Eu amo estudar, é uma coisa que eu amo fazer. Por mais que eu não gostasse tanto do sistema da educação, eu acho que é um pouco agressivo. Eu estudava no Jardim Botânico, morava na Cidade de Deus, então a meritocracia não se aplica, era algo completamente difícil, não era só estudar, existem várias dificuldades que cercam esse “ter acesso à educação”. Mas era um negócio que eu gostava de fazer. Sendo que, quando eu comecei a pesquisar faculdade… Porque eu não acredito que o jovem entenda cem por cento, tenha informação suficiente para entender o que é faculdade. Com 17 anos, eu não sabia o que era. Até hoje talvez eu não saiba totalmente o que é. Óbvio que entendo muito mais e tal, mas eu não sei o que é viver uma faculdade. Eu ficava ali, sem saber muito o que fazer. Assisti diversas palestras em algumas faculdade, inclusive na escola onde eu era bolsista, e concluí que não era vida acadêmica que eu queria seguir. E foi algo muito difícil, porque eu, enquanto jovem negra favelada, era o que minha mãe poderia me dar: informação, estudo, para eu para o meu futuro. E eu decidi que não queria fazer, porque eu vi que não era por aquilo que meu coração pulsava. Todas as vezes que meu coração pulsava era quando era falado sobre arte, fazer o que sente vontade. E foi aí que a minha chave virou. Mas foi algo muito tranquilo, porque, assim que eu acabei o ensino médio, eu assinei com a gravadora. Eu encontrei a Duto, que é uma produtora situada em Madureira, e juntos nós fizemos a conexão com a Universal Music.

Mas você começou como?

Eu postava vídeos nas redes sociais e isso foi crescendo, cada vez mais. As pessoas foram se conectando a mim. Alguns artistas se conectaram a mim também, porque eu fazia covers deles, versões — sempre gostei de fazer, sempre gostei de brincar com a música. Na época, eu nem era Malía, eu era Isadora Machado ainda, e pessoas como Emicida, Caetano, Ludmilla, Elza Soares já interagiram comigo, por conta dos vídeos, e isso foi só crescendo e potencializando.

Você estava comentando que cresceu na Cidade de Deus. Ainda vive lá?

Eu vivo lá no modo de falar. Por exemplo, hoje, eu estava dormindo lá. Eu não moro mais lá, mas a minha família é toda de lá, meus amigos estão lá, é meu lugar, eu estou sempre lá. Pelo menos uma vez na semana, eu estou na Cidade de Deus. Seja dormindo na casa da minha madrinha, encontrando meus amigos…

Você está morando onde, hoje em dia?

Estou morando no Pechincha, que é bem próximo também, Jacarepaguá.

Você sempre fala da sua origem, da favela. Como sente a importância de uma artista como você — mulher, negra, vinda da favela, associada a todo aquele estereótipo, ainda mais a Cidade de Deus, que tem o filme…?

Eu vou fazer as pessoas entenderem que várias coisas que elas desnaturalizam são naturais. Porque elas sempre colocam nesse lugar de: “Nossa, você conseguiu isso!”. Eu realmente sou negra, favelada, da Cidade de Deus. O meu papel eu sinto que é fazer que as pessoas entendam que estar nos lugares e ocupar os espaços com características diferentes entre si é algo normal. Eu não necessariamente vou cantar sobre a Cidade de Deus, mas não é por isso que eu não tenho a Cidade de Deus na minha música. É fazer ser natural mesmo, porque as coisas às vezes são muito caricatas. Tipo: “Eu sou da Cidade de Deus, sou negra, vou falar que sou negra na música e que sou da Cidade de Deus.” Posso fazer? Sim, posso fazer. Mas eu posso ser o que eu quiser. Isso eu vou continuar sendo para sempre, independentemente de eu falar ou não. É algo natural. E aí é agir com essa naturalidade mesmo, eu acho que acrescento isso para as pessoas que vêm de onde eu venho. Primeiro, para elas entendem que têm direito a todos os espaços, e para as pessoas que não acham que certos lugares são para a gente compreenderem que é a coisa mais normal uma pessoa viver e transitar pelos espaços. Eu acho muito importante bater na tecla, com naturalidade, de que eu vim desse lugar, de que eu sou isso, porque ainda agem como se isso fosse algo anormal.

E a gente está passando por um momento de evidência para as compositoras em geral, como a gente nunca teve aqui no Brasil e, nessa cena, se destacam várias cantoras e compositoras negras. Não é que não existissem antes… Só que estamos vivendo uma época de finalmente ter esse espaço. Como você vê esse momento na música?

Acho que a gente iniciou uma discussão que precisava ser iniciada, porque o Brasil, enquanto país colonizado, está muito atrasado mesmo nessas questões de identidade. Acho que temos um bom começo, mas precisamos começar a nos aprofundar. É muito fácil a gente se perder pelo caminho e parar na parte estética, porque estamos vendo corpos negros estampados no outdoor. Mas eu quero saber: quantas pessoas negras estão espaço de desenvolvimento da publicidade? É muito importante iniciar essa discussão, mas, mais do que isso, efetivar essa discussão. E a gente vai fazer isso aos poucos. Ao mesmo tempo, eu, enquanto artista — e eu entendo que o meu papel também é político — quero fazer com que as pessoas pensem criticamente sobre isso. Porque eu não quero que pareça que eu estou nos espaços, eu quero me ver nos espaços de fato. Eu quero que isso seja efetivado. Essa naturalidade vai ajudar as pessoas entenderem que uma pessoa preta publicitária é algo legítimo também. Isso é muito importante. O brasileiro não se reconhece enquanto negro, muita gente ainda não sabe, ainda estamos nessa discussão de quem é negro e quem não é, por incrível que pareça. Isso é importante para que as pessoas se reconheçam e saibam seu valor. A música vem para informar, conscientizar. As pessoas falam sobre empoderamento. Essa é uma palavra que eu não costumo usar. Porque empoderar significa dar poder. E eu não acho que alguém dá poder a ninguém. Acho que as pessoas se conscientizam de que existem ferramentas que permitem que elas exerçam esse poder. “Dar poder” fica muito no campo do raso, da imagem, da estética. A gente precisa falar de educação, de informação, de como exercer esse poder, para além da estética. Em muitos lugares aonde eu chego, as pessoas ainda se espantam: “Nossa, o cabelo dela!”. Como assim, se 53,6% da população é negra? Como as pessoas se chocam porque tem pessoas negras nos espaços? Então é isso, ocupar mesmo, mudar no ato. Mas acho muito importante que existam essas cantoras. E também acho muito importante exaltar quem veio antes de mim. Porque sabem de onde eu vim. Tenho muito mais segurança para onde eu vou. Acho muito importante ter gente como a Ludmilla, periférica, LGBT, compositora, tem uma qualidade enorme no trabalho dela. Iza também. É importante ter mulheres negras em vários espaços. Não só as faveladas, porque existe mulheres de outras origens. Uma pluralidade mesmo dentro do “ser negro”.

Mudando de assunto, com quem você gostaria fazer um feat este ano, se você pudesse escolher?

O meu sonho, que eu sonho bem alto (risos), é Djavan. É o artista que eu mais ouvi na minha vida. Mas depois da Alcione, que foi tudo tão natural, tão bom, leve, eu acho que não duvido mais de nada.

E o que você planeja para 2020? Vai lançar coisas?

Eu fiz um songcamp, reuni alguns compositores, cantores dentro de um estúdio lá em São Paulo. Em dois dias, saíram 23 músicas. E o formato de lançamento eu ainda não sei, mas eu vou soltar bastante música este ano.

Quando foi?

No fim do ano passado.

E que compositores estavam com você, pode adiantar?

Tinha Luccas Carlos, Day, Carol Biazin, Amanda Coronha… Ah, tinha uma galera.

Vai lá:
Verão do Spanta
Quando: Sábado, 18 de janeiro, às 16h
Onde: Marina da Glória. Av. Infante Dom Henrique, s/nº – Glória
Quanto: R$ 120 (meia-entrada) e R$ 240

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‘Amor é amor, e não interessa o que tem por baixo da roupa’, diz Ana Vilela http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/01/10/amor-e-amor-e-nao-interessa-o-que-tem-por-baixo-da-roupa-diz-ana-vilela/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2020/01/10/amor-e-amor-e-nao-interessa-o-que-tem-por-baixo-da-roupa-diz-ana-vilela/#respond Fri, 10 Jan 2020 16:35:17 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1270

Ana Vilela canta de graça no domingo. Foto: divulgação/Som Livre

Ela estourou com apenas 17 anos, quando uma música que postou no YouTube se tornou sucesso estrondoso. “Trem-bala” hoje tem mais de 150 milhões de visualizações e sua autora, a cantora e compositora Ana Vilela, 21, acumulou alguma estrada. Em agosto do ano passado, ela lançou seu álbum mais recente, ‘Contato’, o segundo de sua carreira, com o qual está em turnê atualmente.

Produzido por Fernando Lobo e Juliano Cortuah, o disco traz uma sonoridade que vai além do pop-folk fofinho que consagrou a cantora, com o uso de batidas eletrônicas. “O ‘Contato’ é um disco que trouxe as mudanças que eu achei necessárias para a minha carreira, para o meu trabalho, para aquilo com que eu me identifico hoje. E eu tive muito receio mesmo do público, da galera não aceitar muito bem o álbum, até porque ele tem uma outra pegada, um pouco mais pop”, admite a cantora.

O repertório do disco poderá ser visto este domingo no Claro Verão Rio, na Casa de Cultura Laura Alvim, onde Ana apresenta um pocket-show gratuito. Assumidamente lésbica, casada desde 2018 com Amanda, ela conta que representar a comunidade LGBTQ+ é algo muito natural. “O que eu tento passar e mostrar sempre, inclusive mais para os meus fãs que não se encaixam na comunidade LGBTQ+, é que é normal”, diz. 

Ana conta que o feedback vem não só de seus fãs LGBTQ+, mas também daqueles que contam que tinham preconceito com a homossexualidade e mudaram sua visão. “E isso é muito bonito também. Eu recebo muita mensagem falando: ‘Eu pensava N coisas sobre a comunidade LGBTQ+, sobre os homossexuais, depois comecei a seguir você, acompanhar seu relacionamento com a sua esposa, a minha visão mudou.’ Essa vivência é importante”, avalia. 

O show é de graça, como é para você fazer esse tipo de show?

Cara, eu me amarro. Acho que a proposta do evento tem tudo a ver com o verão. Eu acho gostoso demais, eu me importo muito com o ambiente do show, acho que faz muita diferença na hora de tocar, e é muito gosto quando é assim, quando tem essa vibe boa de todo mundo.

Você morou aqui no Rio. Ainda está em Londrina?

Não, eu estou aqui no Rio de novo, inclusive. Desde agosto.

E como está sendo? Eu entrevistei você no início do ano passado, e você falou que tinha voltado para Londrina porque queria ficar perto dos seus avós e morar num lugar menor. Como foi a mudança de volta para o Rio? Foi a carreira que exigiu?

Foi, foi. Na verdade eu troquei de empresário, e aí acabou que a minha operação ficou toda concentrada aqui no Rio. Eu acabei tendo que voltar. Mas eu gosto muito daqui, sou apaixonada.

De lá para cá, você lançou um disco novo. Como está sendo a turnê do ‘Contato’? Porque às vezes os fãs são apegados a músicas antigas…

Nossa, está sendo muito tranquilo. O ‘Contato’ é um disco que trouxe as mudanças que eu achei necessárias para a minha carreira, para o meu trabalho, para aquilo com que eu me identifico hoje. E eu tive muito receio mesmo do público, da galera não aceitar muito bem o álbum, até porque ele tem uma outra pegada, um pouco mais pop. Mas a recepção está sendo incrível, as pessoas estão gostando muito, estão elogiando bastante o trabalho e acho que entenderam a proposta, não ficou parecendo muito distante do que o primeiro disco foi.

Rolou aquela pressão de segundo disco? Você sentiu?

Eu acho que mais da minha parte para comigo mesma do que das pessoas. Eu me cobro bastante com relação a isso, eu acho que eu queria entregar um trabalho que realmente disse que, poxa, eu não sou só o primeiro disco, eu não sou só “Trem-bala”. Dentro de mim, eu tinha muito mais o que provar do que para as pessoas, né? Mas foi incrível, a recepção foi muito, muito boa, muito melhor do que a gente imaginava, graças a Deus.

Outra coisa que você tinha me dito, quando eu entrevistei você, é que você se cobrava fazer outra “Trem-bala”, ou seja, um supersucesso como essa música foi e é. Como está isso? Conseguiu relaxar, abrir mão disso?

Eu acho que é um processo natural. Eu acredito que quando a pessoa passa — principalmente na idade que eu passei — por tudo que eu passei com a música, é muito intenso, e a gente tem muitas questões que a gente mesmo não entende. Então, para mim foi um processo muito natural: parar de criar expectativa em cima disso como se fosse uma obrigação, sabe? Claro, eu dou o melhor sempre no meu trabalho, nas composições, mas não necessariamente buscando outra “Trem-bala”. Até porque ela é muito única, conforme o tempo foi passando, eu fui entendendo isso. A “Trem-bala” é muito mais do que só uma música para as pessoas. As opiniões que eu escuto, as histórias que eu ouço, ela acabou virando uma coisa muito maior, onde as pessoas buscam conforto e tal. Então acho meio difícil até buscar reproduzir isso, porque foi uma coisa muito natural, espontânea.

E tem alguma história que você possa contar, que tenha impressionado você, de alguém com a música?

Ah, tem várias histórias incríveis. Eu brinco sempre com os meus amigos que a gente podia fazer um filme só com as histórias das pessoas contando como elas conheceram a “Trem-bala”, porque são muito bonitas. Tem histórias felizes, tristes, de gente que lembra de alguém que foi embora ou de alguém que gostava muito da minha música e veio a morrer a pessoa guardou isso como uma lembrança boa. Também de gente que entrou no casamento com a música. São muitas histórias. Acho

que eu não tenho como, hoje, escolher uma para contar, seria muito injusto. Mas todas são lindas.

E você teve seu momento youtuber, você passou um tempo fazendo o ‘Cafofo da Ana’ (série no YouTube). Como foi para você essa experiência?

O projeto do YouTube é uma coisa que está meio na geladeira por enquanto, porque eu estou muito ocupada com todo esse reposicionamento, mas é uma coisa que não saiu do meu campo de visão, das minhas possibilidades. Eu sempre gostei muito de YouTube e tenho muita vontade de voltar a fazer. A gente inclusive tem se movimentado nesse sentido: de montar outro cenário e começar a fazer tudo de novo.

Sua geração tem uma forma de lidar com a sexualidade de uma forma mais livre que as anteriores, me parece. E tem a questão da representatividade, por você ser uma artista que não performa os estereótipos da feminilidade. Você recebe retorno das fãs, dizendo que que você as encorajou de alguma forma? Como você se sente representando um grupo que sofre muito preconceito no nosso país?

Eu acho que é uma posição que, por maior que seja a responsabilidade, o que eu tento passar e mostrar sempre, inclusive mais para os meus fãs que não se encaixam na comunidade LGBTQ+, é que é normal. Que a gente ama, vive, a gente quer ter uma vida normal. Eu inclusive procuro sempre passar isso nos meus clipes. Geralmente me perguntam: “Ah, de onde vem a inspiração para botar um casal lésbico no clipe?”. E, na verdade, é uma coisa que não tem de onde ter tirado inspiração, é a minha vida. A minha natureza é: eu sou uma mulher homossexual, casada com uma mulher, então não tem como eu fugir disso ou tentar fazer algum tipo de… Eu não sei bem qual a palavra, mas eu não queria que as pessoas ficassem achando que é para tentar englobar a comunidade LGBTQ+. Não, eu faço parte dela, eu tenho que representar a comunidade. Já que eu tenho lugar de fala, é o meu papel.

E, no seu caso, por causa de “Trem-bala”, o público é muito amplo, né? As pessoas que admiram essa música vão de criança até velhinhos…

Com certeza. E eu tenho muito esse feedback também das pessoas que estão do outro lado, que tinham algum tipo de preconceito. E isso é muito bonito também. Eu recebo muita mensagem falando: “Eu pensava N coisas sobre a comunidade LGBTQ+, sobre os homossexuais, depois comecei a seguir você, acompanhar seu relacionamento com a sua esposa, a minha visão mudou.” Essa vivência é importante. Passar o nosso cotidiano, as nossas ideias, os nossos amores para que as pessoas entendam que isso é meganormal, que não tem nada de errado, que amor é amor, e não interessa o que tem por baixo da roupa.

Você é supernovinha, fez sucesso com 17 anos, é casada… Sente que tudo isso que aconteceu na sua vida de alguma forma acelerou o seu amadurecimento?

Eu não sei se acelerou. Acho que o processo todo pelo qual eu passei profissionalmente, começar uma carreira com 17 anos de idade, já nos charts, no ponto mais alto onde as pessoas sonham chegar na música, realmente exigiu uma responsabilidade muito grande da minha parte, para entender como lidar com a questão do assédio, da fama, de ter uma empresa, de administrar um negócio que antes não existia, que não era realidade para mim, e que eu nunca fui educada para. Com certeza isso exigiu muito de mim, no sentido de estudar a profissão e de entender como funciona o negócio. E de chegar a algumas conclusões na minha vida pessoal também, entender do que eu estou a fim de abrir mão, do que eu não abrir mão de jeito nenhum, o que vai fazer sentido ou não. Acredito que me ajudou a amadurecer bem, mas não que tenha acelerado alguma coisa. Foi um processo muito natural também.

A fama traz uma exposição grande, que com certeza tem um lado positivo, o que você falou do carinho dos fãs, mas deve ter um lado negativo. Como tem sido lidar com isso, de ter sua vida exposta, de ter as pessoas acompanhado?

Eu sou muito tranquila com isso, na verdade. Eu acho que a gente quando sonha com — e isso foi uma coisa que fez parte da minha vida sempre, esse sonho de ser cantora, de trabalhar com música —, a gente acaba sonhando com as duas coisas: com estar em cima do palco, mas também com as pessoas que vão estar ali assistindo, pedindo foto e tal. Acaba sendo uma coisa gostosa, até. É muito bom, porque eu falo que eu tive a sorte de descobrir e poder fazer o que eu amo fazer com muito pouca idade. E, poxa, se eu estou fazendo o que eu faço hoje é por causa dessas pessoas, que me abordar, que querem saber da minha vida, e é por isso que sai notícia, e é por isso que estão sempre falando. E isso é incrível, acho que não tem do que reclamar, não. É parte da profissão. Óbvio que algumas vezes as pessoas agem de sacanagem mesmo, de má-fé, mas a gente acaba tendo que aprender a lidar com isso também. Não me incomoda, não.

Você tem planos de lançar singles, já tem coisas previstas para este ano?

O planejamento agora é mesmo trabalhar o álbum novo. A gente se dedicou bastante no ano passado a terminar esse disco, que, como eu falei, traz essa roupagem diferente, traz uma Ana que eu acho que as pessoas não conheciam e que tem muito a minha cara, de ser um álbum bem alegre, mais divertido. Então o planejamento para este ano é a gente trabalhar esse disco, de repente desenvolver mais algum outro projeto em cima dessas músicas, mas a proposta inicial mesmo agora, nesse primeiro semestre pelo menos, é continuar trabalhando o álbum. A gente tem alguns clipes para lançar, e é isso.

No disco, você canta com o Vitor Kley e o 3030. Com quem você gostaria de fazer feat? Você já falou que o Ed Sheeran, né (risos)? Tem mais alguém com quem você gostaria de cantar?

Sim, esse é meu sonho impossível (risos). Acho que o Ed é um cara que me inspira muito. Mas acho que hoje, se eu for olhar para o cenário nacional, eu queria fazer um feat que é muito diferente, acho que ninguém imagina também: com o Baco Exu do Blues. Eu acho ele fantástico, é um dos caras que eu mais tenho escutado, acho que seria incrível fazer um feat com ele.

Vai lá:
Claro Verão Rio
Quando: Domingo, 12 de janeiro, às 19h.
Onde: Casa de Cultura Laura Alvim. Av. Vieira Souto, 176/3º andar – Ipanema
Quanto: Grátis

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Lenda do dub, Mad Professor se apresenta domingo no Rio http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2019/12/29/mad-professor/ http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/2019/12/29/mad-professor/#respond Sun, 29 Dec 2019 11:00:29 +0000 http://rioadentro.blogosfera.uol.com.br/?p=1260

Mad Professor se apresenta domingo na Casa da Glória. Foto: divulgação

Mad Professor é quem começa a entrevista: “Você é do Rio ou de São Paulo?”, pergunta. Respondo: “Do Rio.” E ele emenda: “Estou apaixonado por uma garota do Rio.” “Quem é ela?”, quero saber. “Uma Garota de Ipanema”, ele se diverte. “Qual o nome dela?”, insisto. “Maria.” Eu: “Maria, arram. Como vocês se conheceram?”. Ele: “Não a conheci ainda. Mas ela está em meus sonhos. Eu só sonho com ela. Tenho que encontrá-la um dia.”

Neil Joseph Stephen Fraser, nascido na Guiana e radicado na Inglaterra (mais especificamente, em Londres) desde os 13 anos, é uma lenda viva do dub. É também um velho conhecido do Brasil — e vice-versa. Trabalhou com nomes como Chico Science & Nação Zumbi, Marcelinho Da Lua e Cidade Negra, entre outros. Aos 64 anos, com um álbum prestes a ser lançado, “Riddim and Dub 2019”, previsto para janeiro de 2020, e produzindo o seguinte, ele se apresenta este domingo na Casa da Glória, ao lado de Marcelinho Da Lua e Digitaldubs. De seu estúdio em Londres, ele conversou com o blog.

Você já esteve no Brasil e no Rio muitas vezes. Queria saber: como foi o tempo que você passou aqui? Como foram suas experiências aqui?

Bem, a primeira vez que eu fui ao Brasil acho que pousei no Rio e pensei que era um lugar tão lindo, muito lindo, gostei mesmo da cidade. É, eu estive por toda a parte (no Brasil), estive em Curitiba, Santa Catarina, Fortaleza — gosto muito de Fortaleza —, Recife, Bahia, muitos lugares. Brasília, Londrina… É um país fascinante. É difícil de acreditar que tenha sido desenvolvido em um tempo tão curto. É muito fascinante.

E a música? Você gosta de alguma coisa na música brasileira?

A música brasileira é um belo encontro entre ritmos africanos, caribenhos e europeus. É unica. É um lugar muito especial mesmo em termos de música.

Você é da segunda geração do dub e está sempre lançando discos. Como vê o dub hoje em dia? A cena, os trabalhos…

O dub é uma dos primeiras formas criativas technomusic, onde o engenheiro formata e reformata a coisa toda. É muito importante nesse sentido.

E o que você pensa da música hoje em dia? Gosta dos trabalhos que tem visto e escutado por aí?

Bem, eu não ouço tanta música moderna assim. Na verdade, quase não ouço.

O que gosta de ouvir?

Eu sou apaixonado pelo som dos anos 70. A maior parte do que eu escuto é da década de 70. Eu quase não ouço música feita agora, porque eu não gosto muito da tecnologia de fazer música com computadores, então eu não escuto muito isso.

Então você não usa computadores para compor e fazer música?

Não, não uso.

É verdade que você quase comprou um terreno no Brasil há uns anos?

É. Fiquei tentado (risos).

Onde no Brasil? Você se lembra?

Sim, era perto do Rio. Perto de Niterói. Eu gosto muito dessa parte.

E por que desistiu?

Porque estava ficando complicado para entender português. Então eu vou comprar no futuro, quando conseguir entender mais da língua.

Então talvez um dia…

É, um dia, um dia. Quando eu passar a falar mais a língua.

Você já fala português?

Não… Quando eu estou no Brasil, eu falo, e aí quando eu vou embora, esqueço (risos). Que vergonha.

Você fez uma tour com o Lee Perry aqui há alguns anos (em 2015). Como foi?

Bem, eu fui ao Brasil com o Lerry talvez quatro ou cinco vezes… E também estive com o Natiruts. Também fiz alguns turnês com o Natiruts. Você conhece Natiruts?

Sim, claro.

Trabalhei em álbum com eles também (ele mixou “Raçaman”, de 2009).  Esse tipo de música é muito bom.

Mas o Lee Perry faz o mesmo tipo de música que você. Ele é uma lenda do dub, você também, só que de uma geração diferente. Como é trabalhar com ele?

Não tão diferente assim (o jamaicano Lee Perry tem 83 anos, Mad Professor tem 64)… Bem, agora faz 40 anos que venho trabalhando com ele. Então não é bem uma geração diferente. Ele é alguns anos mais velho eu, mas não é muito diferente. Não mesmo. Tem sido sempre divertido.

O que as pessoas podem esperar da sua apresentação domingo aqui?

Diga a elas para esperar qualquer coisa. Certo (risos)?

Está trabalhando em algum material novo?

O tempo todo. Já comentei com você que neste momento estou no estúdio trabalhando em um material novo.

E vai trazer esse material novo para o Rio?

Sim, vou levar algumas dessas músicas. Músicas novíssimas, novíssimas. Vocês vão ouvir.

Você está preparando um novo álbum?

Sim, sim. Eu tenho saindo, que foi feito em 2019, e… É, tenho algumas coisas a caminho. Muitas coisas.

E o disco que você gravou em 2019 já tem nome?

Sim. “Riddim and Dub 2019″. Vou te mandar a capa. Vou te mandar algumas coisas. E algumas faixas também. Aí você vai poder ver e ouvir.

A capa do próximo álbum, previsto para janeiro

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Pré-Réveillon na Casa da Glória
Quando: Domingo, 29 de dezembro, das 16h20 à meia-noite
Onde: Casa da Glória. Ladeira da Glória,  98 – Glória
Quanto: R$ 35 (2º lote) e R$ 45 (3º lote)

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