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'É um desafio viver sendo mulher negra', diz Drik Barbosa

Kamille Viola

08/11/2019 10h27

Drik Barbosa traz o novo show ao Circo. Foto: Bruno Trindade

Depois de lançar no ano passado o EP "Espelho", a rapper paulista Drik Barbosa lançou no mês passado seu primeiro álbum, que leva seu nome e que ela apresenta pela primeira vez no Rio este sábado, no Circo Voador. Na sequência, quem se apresenta é Rael.

Artista da gravadora de Emicida, a Laboratório Fantasma, Drik compõe desde os 14 anos e chamou atenção do grande público ao participar da música "Mandume", de Emicida, em 2015, espécie de precursora das cyphers que se tornariam moda por aqui logo em seguida. Desde o mesmo ano ela integra também o coletivo Rimas & Melodias, que conta ainda com Alt Niss, Karol de Souza, Mayra Maldjian, Stefanie Roberta, Tássia Reis e Tatiana Bispo.

Para ela, houve um avanço no espaço para as mulheres no rap nos últimos anos, mas ainda há um longo caminho a ser trilhado. Aliás, não só nesse estilo musical, mas em tudo. "É como se a mulher negra sempre tivesse que provar várias vezes mais que ela é capaz e que ela é talentosa no que faz", analisa ela.

O disco tem pop, R&B, funk 150BPM, pagode baiano… Como você chegou a esses outros estilos musicais?

No EP Espelho dá para sentir mais influência de rap e R&B. No meu disco de estreia, eu queria manter essa marca, mas também colocar outros sons que fazem parte da minha vida. Eu sempre ouvi muita coisa dentro de casa. O disco leva o meu nome e ele precisava dar amostras sonoras de mim: desde a maneira como me divirto a maneira como luto pelo que acredito.

Aliás, o que você cresceu ouvindo? E o que mais costuma escutar hoje?

Posso dizer que uma das lembranças da minha infância é a do meu tio ouvindo rap. Eu devia ter uns cinco, seis anos na época. Parte da nossa família morava em um vila, então tínhamos esse contato. Lembro daquela batida. Aos 15, eu conheci a batalha de MCs da Santa Cruz, de onde saíram nomes como Emicida e Rashid. Foi ali que entendi que queria fazer isso para a vida. A presença masculina sempre foi maior nesse meio e ainda é… Eu ouvia Sabotage e outros caras, por exemplo. Depois fui atrás de ver quem eram as minas do rolê. Conheci Dina Di, Negra Li, Sharylaine… E tenho outras inspirações. A Beyoncé é umas das minha maiores inspirações como artista. Também Erykah Badu, The Fugees…

Você já teve um EP e lançou há um mês um álbum. Qual a importância de se lançar um trabalho nesse formato em tempos de streaming e singles?

Sem pensar no mercado, acho que, antes de mais nada, é a realização de um sonho. Sempre quis lançar um disco que me apresentasse, que mostrasse quem eu sou, o que penso, o que gosto. Mas é muito difícil, inclusive financeiramente falando. O disco faz a nossa verdade chegar em diversos lugares. O disco "Drik Barbosa" tem a voz de uma mulher negra falando de amor, mas também de luta, de representatividade, de liberdade. É muito importante amarrar tudo em um conceito. E o disco representa isso.

Hoje temos mais visibilidade para as mulheres negras no rap. Como andam coisas nesse sentido? Sente que as mulheres têm mais espaço na cena?

Uma das músicas do disco é um trap, "Rosas". Fiz ela justamente pra questionar o machismo no meio, que ainda é muito forte. Entra nas playlists de trap e vê quantas músicas de minas você vai encontrar…  Não é que não tem mulheres fazendo. Existem músicas boas, mas são ignoradas. Eu integro o Rimas & Melodias, vê quanta mulher maravilhosa tem ali fazendo o seu corre, com trabalhos muito obrigada bons. Acho que tem um progresso, mas também um longo caminho a ser trilhado. Tive a preocupação de me cercar por muitas mulheres nesse disco.  

E como é o retorno das fãs? Sente que meninas e mulheres se sentem incentivadas a fazer rap também pelo destaque que seu trabalho vem ganhando?

Olha, tem sido muito emocionante o retorno do público. Fiz um show de lançamento na Casa Natura, em São Paulo, e vi tantas pessoas, jovens, mulheres negras cantando as músicas e se sentindo representadas. Isso é valioso demais! Faz tudo valer a pena!

Os artistas negros também vêm se destacando na atual cena independente (como Luedji Luna, Attooxxa, Rincon que participam do seu álbum). Como vê o atual momento?

Luedji Luna, Attooxxa, Rincon… Tem muita gente incrível fazendo música. São artistas que vivem pela arte e amam de produzir arte. Fico feliz com reconhecimento, porque sabemos a dificuldade que é fazer arte no nosso país, ainda mais quando se é negro, as barreiras são muito maiores para nós.

Aliás, como surgiram as participações?

As participações surgiram de forma muito natural, como se as músicas pedissem aquelas pessoas, que, claro, são nomes que eu admiro muito. Em "Quem tem joga", por exemplo, fiquei pensando quem seria legal pra agregar num som (um funk) falando do poder da expressão de ser quem somos, como nos vestimos, como a gente se expressa no mundo… Karol Conka e Gloria Groove são perfeitas pra representar essa mensagem. Ter a Luedji e a R.A.E cantando sobre liberdade feminina também. Tem o Emicida e o Rael que eu sou fã e fazem parte da minha história, além do Attooxxa, que traz esse pagodão que eu amo.

Acredita que ser apresentada como uma aposta do Emicida ajudou a abrir caminhos para você? Qual a importância desse aval?

Antes de mais nada, eu sou uma grande fã do Emicida. Eu ia em shows dele, acompanhava tudo. O Fióti via tanto a gente na plateia que até cumprimentava já… Desde os 15 anos eu já tava compondo, cantando com outros rappers e comecei a compartilhar meus trabalhos na internet. Mandava link de MySpace para eles darem uma olhada (risos). Hoje, sou uma artista da Laboratório Fantasma e tem hora que ainda não acredito… Sou muito grata por eles acreditarem no meu trabalho. Além de tudo, o Emicida me deu duas músicas nesse disco que são verdadeiros presentes.

Quais os principais desafios de ser uma mulher negra fazendo música no Brasil hoje? E as alegrias?

Na música de abertura do disco, "Herança", digo que somos "mil vezes mais forte, mil vezes mais alvo, mil vezes mais ágil". É como se a mulher negra sempre tivesse que provar várias vezes mais que ela é capaz e que ela é talentosa no que faz. É um desafio viver. Mas a alegria é poder colocar esse discurso na minha música e ver minha irmã mais nova, por exemplo, com orgulho de ser quem ela é, da cor, do cabelo que ela tem.

Vai lá:
Drik Barbosa + Rael
Quando: Sábado, 9 de novembro, às 22h (abertura dos portões)
Onde: Circo Voador. Rua dos Arcos, s/n° – Lapa
Quanto: R$ 50

Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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