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'É uma questão nossa: até onde se adaptar?', diz Cris, do Far From Alaska

Kamille Viola

08/02/2019 10h00

Far From Alaska: Lauro Kirsch, Cris Botarelli, Emmily Barreto e Rafael Brasil

Criado em Natal em 2012, o Far From Alaska chamou atenção quando ainda tinha apenas seis meses de existência, ao ganhar uma seletiva para participar do festival Planeta Terra, em São Paulo. De lá para cá, a banda de stoner rock ganhou elogios de ninguém menos que Shirley Manson, vocalista do Garbage, e lançou dois álbuns: "modeHuman" (2014) e "Unlikely" (2017), produzido nos Estados Unidos por Sylvia Massy, que trabalhou com nomes do quilate de System of a Down, Johnny Cash e and Red Hot Chili Peppers. No ano passado, fez uma turnê com nada menos que 15 apresentações na Europa.

Formado por Emmily Barreto (voz), Cris Botarelli (steel guitar, sintetizador, baixo e voz), Rafael Brasil (guitarra) e Lauro Kirsch (bateria) — Edu Filgueira (baixo) deixou o grupo ano passado —, o grupo se prepara para lançar um EP com versões acústicas de suas músicas (serão quatro do segundo disco e uma faixa-bônus do primeiro). Eles vão soltar uma música por semana, e a primeira sai no próximo dia 15. Enquanto não começam a compor para o próximo álbum, previsto para o ano que vem, eles seguem com a turnê de "Unlikely", que chega sábado ao Rio de Janeiro, no Teatro Odisseia. Conversei com Cris Botarelli, que fez um balanço da história da banda até agora.

Quais os planos para 2019? Li que vocês já iam começar a compor e que também pretendiam lançar umas versões acústicas.

É. A gente está preparando o lançamento acústico, é um EPzinho, tem quatro faixas e uma bônus. São quatro do "Unlikely" (2017), que foi o último disco que a gente lançou, e a bônus é do disco anterior, o "modeHuman" (2014). Eu nem sei se era surpresa, mas não vou dizer qual é a música, então (risos). A gente gravou isso no ano passado, no interior de São Paulo, Piracaia, no Orgânico Estúdio, do André Cabelo, e foi uma experiência bem legal. A gente sempre quis fazer isso com essas músicas do "Unlikely", porque compôs elas no violão, né? E compôs muita coisa aqui em casa, no sofá, com o violão e tal. Eram músicas de violão, e nós transformamos em músicas do Far From Alaska. E é muito contrastante, porque nós somos muito focados nos timbres, nos riffs, e é o que a gente mais dá atenção, e sentir esse outro lado, de simplesmente tocar no violão, sem ter um synth pesado por cima, sem ter um riff com fuzz. Elas também têm esse lado relax, violãozinho, em casa, e a gente quis trazer isso. Ficou massa, estamos bem empolgados para esse lançamento.

Vocês também estão fazendo composições novas?

A gente teve umas longas férias, em janeiro. Passamos o mês inteiro realmente de férias. O primeiro show do ano vai ser esse do Rio agora. Cada um está com as suas ideias, a gente vai começar a compor por agora, marcar os primeiros ensaios, e, neste primeiro semestre, com certeza vai ter single novo.

E vocês pensam em lançar um álbum ainda este ano?

Eu acho que este ano a gente vai lançar uns singles ainda para terminar essa era do "Unikely". Porque acabou que muita coisa não entrou no disco, tem músicas que a gente gosta muito que não rolaram, porque ia ficar um álbum muito longo. Então a gente tem algumas coisas na mão ainda dessa era do "Unlikely", e acho que este ano vai ser o encerramento. Provavelmente serão só alguns singles aí pelo ano. E este ano é de composição para o próximo disco, que deve sair só no ano que vem.

O mesmo espaço que teve entre o primeiro e o segundo disco vai ter agora entre segundo e o terceiro, três anos.

Exato. A gente é meio old school, tem um ritmo lento de fazer as coisas. A gente sabe que não está mais tão em alta esse conceito de álbum, a galera está trabalhando mais single. Nós curtimos ter um álbum, lançar um disco, com um conceito de um disco, com ele todo pensado junto e tudo mais. Eu acho que no rock ainda cabe isso. O público que gosta de rock também espera isso das bandas. Nós temos essa métrica. Apesar de que, como eu falei, vamos lançar uns singles este ano. Mas a gente gosta de ser um pouco mais devagar para lançar o álbum, então provavelmente só no próximo ano. Neste, ainda vamos explorar o "Unlikely" e suas adjacências.

Vocês têm uma trajetória diferente, receberam elogios da Shirley Manson, tocaram em festivais importantes fora do Brasil… Como está o dia a dia da banda, isso de se apresentar fora? Não é sempre que acontece isso com um artista que veio do circuito independente aqui no Brasil. Como tem sido viver isso?

É muito massa, né? Bom, a gente é de Natal, né? Tem bastante banda de rock e a gente tem um jeito muito particular de lidar, é todo mundo muito aberto. Tem muita banda de rock em inglês lá, a galera faz música em inglês, o povo de lá consome, vai nos shows. Então eu acho que a gente é muito produto disso, as coisas que a gente faz. Sempre peguntam: "Vocês cantaram em inglês porque estavam planejando uma carreira internacional?". E não, só fizemos as coisas do jeito que a turma lá faz. E aí tem um potencial para ir para fora, pelo lance da língua. Mas se bem que hoje em dia isso está diminuindo até lá fora, existem muitas bandas que cantam em português e que estão rodando lá. Mas é um facilitador, e foi tudo meio naturalmente. A gente só vai surfando a onda, desde o começo. O lance da Shirley Manson foi uma sorte. Nós calhamos de conseguir encontrar com ela (em 2012, no festival Planeta Terra, em São Paulo), ela calhou de escutar o som, gostar e postar. É massa, porque vai validando para a gente mesmo, às vezes. Nós ouvimos muito a galera falando: "Parece banda gringa!", como se fosse um elogio. Então é como se as coisas no Brasil estivessem sempre um pouco abaixo das coisas estrangeiras. Eu sei que não falam isso na maldade, é um elogio. Mas é legal tudo isso que acontece com a gente porque nós somos uma banda daqui do Brasil, então o pessoal vê que a música do Brasil está nesse ponto. Essa distância não tem mais, nem tecnológica, nem na qualidade do som. Nós adoraríamos, estamos tentando aí ser um expoente do Brasil lá fora nesse rolê.

Lá fora vocês sentem diferença na estrutura quando vão se apresentar, sentem uma estrutura melhor? Porque a gente sempre ouve falar que, para o artista que não é mainstream, fora do Brasil existe um circuito mais bacana, com mais casa, mais público. Como é isso? 

É, eu acho que tem mais casas, de fato. A gente fez uma tour agora, no ano passado, seguindo pela Europa inteira, vários países. E o que a gente percebeu é que é um circuito independente, do mesmo jeito que é aqui no Brasil, só que com a diferença de que lá existem mais lugares. As pessoas são mais acostumadas. O rock é mais popular do que aqui no Brasil. A gente está num gap do rock, ele está meio que voltando agora, com essa nova geração de bandas e tal, mas a gente sabe que não é o ritmo mais popular no Brasil hoje, né? E lá a gente sente que é. É uma coisa cultural mesmo. As pessoas são mais roqueiras, curtem mais, existem mais lugares para tocar por causa disso, de fato. E uma coisa muito legal é que a galera é bem aberta com outros nomes, sai de casa para ver o show de um artista que não conhece. Eu acho que isso é determinante de uma banda independente, é a cultura das pessoas saírem de casa para ver um show. Às vezes vocês não sabe que grupo é e vai assistir. E isso é mais forte do que aqui. E é engraçado, porque em Natal rola isso também. Natal é meio fora da curva nesse ponto. Lá, se vai ter show de uma banda que as pessoas não conhecem, elas vão ver. Isso é a coisa que eu acho decisiva, porque aqui a gente espera ficar fã da banda para sair de casa para ver o show. Se eu fosse pontuar a maior diferença, diria que é essa. E aí fica mais fácil. Para a gente foi superprodutiva essa tour na Europa, porque era sempre cem por cento de pessoas que não conheciam a gente, nunca tinham visto, e aí iam no show, gostavam, passavam a curtir a banda, a acompanhar, compravam disco, era muito louco.

O Foca (produtor e organizador do festival DoSol e músico da Camarones Orquestra Guitarrística) sempre fala dessa abertura do público de Natal. E, além de existirem dois festivais bem conhecidos lá, a gente está vendo bandas da cidade ganharem seu espaço, circulando pelo Brasil: vocês, Camarones, Plutão Já Foi Planeta…

E são bandas que são muito diferentes entre si, né? Eu acho que isso é uma coisa que traduz muito bem o que é a cena de Natal. E grande parte disso, de fato, vem do Foca, vem do DoSol — o DoSol é um combo cultural, né? Eles têm estúdio, a casa de shows e o festival. Sempre circulou muita banda diferente lá. É fácil você ir no rolê e tocar o Plutão e o Far From Alaska, que são grupos que não têm nada a ver, mas a galera vai e curte tanto uma como a outra. O pessoal é acostumado com a diversidade lá. Tem o Mahmed, que é post rock; tem a gente que é mais rockão; tem o Camarones, que é outro tipo de rock, mais divertido; tem o Plutão, que é pop; tem Luísa e os Alquimistas, que está agora em São Paulo, que é dub… Essa galera toda, todo mundo é amigo, todo mundo tocava junto no rolê. Lá em Natal todo mundo curte de tudo. Eu acho que grande parte disso também é pelo fato de ser uma cidade pequena, não tem gente suficiente para ter nicho como é aqui em São Paulo. Aqui o pessoal às vezes não se mistura tanto, porque não se conhece mesmo. A turma do hardcore anda com quem é do hardcore, a turma do pop anda com a do pop, a do rap anda com a do rap. E lá em Natal, não. O Rafa mesmo, o nosso guitarra, ele veio do hardcore. Aqui em São Paulo seria outra galera, mas lá era a mesma. Eu e a Emmily tínhamos uma banda de pop e a éramos fãs do grupo de hardcore do Rafa, e nos juntamos para tocar. Sei lá, acho que era uma combinação que aqui nunca rolaria. A gente não se conheceria, provavelmente. Não teria a oportunidade de ser misturar e fazer uma banda. E eu acho que esse é o grande pulo de gato de Natal, a parte massa. Porque mistura uma galera nada a ver para montar grupo. E todo mundo já teve mil lá, são 50 músicos e 150 bandas (risos). Todo mundo se mistura, e aí saem coisas diferentes, legais, originais.

Além da questão do nicho, que você mencionou agora, para a banda, qual foi a diferença ao se mudar para São Paulo? O que isso trouxe para vocês?

Olha, a gente se mudou para cá por questões de logística. Natal é um destino turístico, então as passagens, tanto para ir para lá como para sair de lá, são muito caras. Às vezes, dependendo da época, é mais barato ir para Miami daqui de São Paulo do que para Natal, por exemplo. Como nossa história começou aqui em São Paulo, no concurso do Planeta Terra do qual a gente participou (em 2012, a banda venceu a seletiva Som Para Todos e abriu o palco Claro Indie Stage, que teve nomes como Suede, Garbage, The Drums e Kings of Leon), e a gente voltou para lá, rolavam convites para shows que a gente não conseguia cumprir, porque estávamos nos começo ainda, era inviável para qualquer contratante gastar só de passagem sei lá, R$ 5 mil. E aí a gente estava perdendo oportunidades de shows, de rodar. Aí viemos para cá. E, quando chegamos aqui, vimos que é mais do que isso. Essas coisas de marca, de parceria, de evento. A gente começou a conhecer mais pessoas, até do audiovisual, para fazer clipes, para fazer coisas. Todo mundo vem para cá para trabalhar. É uma cidade muito focada nisso, no trabalho. Todo mundo está aqui tentando fazer acontecer. E Natal é uma cidade de praia, as pessoas vivem como devem viver lá (risos), que é num ritmo mais lento, as coisas não acontecem tanto. E a distância geográfica também, que é osso. Lá existem as iniciativas, as coisas, mas não rola tanto dinheiro a ponto de viabilizar a existência de uma banda. Porque a gente veio para cá largando os empregos, largando tudo. Quando a gente vivia lá, todo mundo trabalhava em outras áreas ainda.

Mas de certa forma, como você falou, vocês levaram esse ritmo com vocês, de não querer apressar o disco, de esperar para fazer…

Pois é, é uma grande questão para a gente (risos): até onde a gente deve se adaptar, até onde não. Mas a gente está feliz com as andamento das coisas do jeito que elas são. O mundo está em outra. Ninguém está lançando álbum mais, todo mundo lança vários singles. As coisas são mais efêmeras. E agora, com streaming de músicas, não dá para você conseguir um destaque para um disco, você consegue para um single. Tem mudado muito a forma como as pessoas veem os lançamentos das bandas. Mas eu acho que ainda tem espaço para tudo, ainda tem espaço para lançar disco, especialmente uma banda de rock. Não que a gente não vá fazer: este ano, provavelmente, vamos lançar só single, para ir movimentando. Mas acho para a gente que ainda cabe. Nos adaptamos na parte que é favorável, mas também procuramos manter as coisas em que acreditamos. Já conversamos muito sobre isso entre nós. E aí a gente fica até um pouco aperreado: "Cara, mas como lançar só single? E a história que conta?". E a gente é uma banda muito diversa também, tem muitos instrumentos diferentes. Eu toco baixo agora também, e tem a lap steel, e tem o synth. Como lançar um single só? Eu vou escolher o que tocar? Eu preciso de um disco para todos os meus recursos, não vou conseguir usar todos em uma música só. Eu tenho que dividir. A gente tenta buscar o equilíbrio: sim, vamos lançar single, mas sim, vamos lançar um álbum, porque somos essa banda que curte álbuns. Alguém fala: "Ah, uma banda nova." Eu digo: "Ah, deixa eu ouvir o disco." Sabe? Não quero ouvir o single, quero ouvir o disco. Eu acho que, como a gente, existem muitas pessoas que ainda estão nessa vibe, que ainda curtem ouvir um álbum inteiro, conhecer uma banda pelo disco, especialmente no rock.

Você falou que o show do Rio é o primeiro deste ano. E como está a agenda da banda, vocês já têm outros shows marcados?

Sim, a gente tem uns Sescs para fazer agora em março. Vai ter uma festa de lançamento do "Acústico", com show e tal. E aí talvez role de rodar com um formato de show acústico também. Nem era tanto o plano, mas a gente gostou tanto do resultado que quer fazer isso agora.

Mas então, como é um EP, vocês vão ter que adaptar as outras músicas para o formato acústico.

São quatro músicas só, mas a gente ainda tem mais umas. Porque, de fato, essas músicas do "Unlikely" a maioria a gente tem no violão. E foi muito doido também. Porque a gente só tem dois discos, mas foi a primeira vez, nesse álbum, que a gente fez dessa forma. No primeiro, a gente morava em Natal ainda, então tinha muito mais facilidade de estúdio, de tocar sempre e tal, então a gente acabou que fez todo no estúdio, ensaiando. A gente ia para o ensaio com os todos os instrumentos, tocava e tal. Depois viemos para São Paulo, aqui é tudo mais longe, mais caro, mais complicado. Foi um novo jeito de compor também. É por isso que a gente está dando tanta atenção para isso, porque para a gente também foi uma experiência nova e diferente, isso de fazer com o violão.

Hoje em dia os feats estão bombando, no Brasil muita gente já fez, vocês já fizeram alguns também. Com quem vocês gostariam de fazer? Tem aquele que seria o dos sonhos?

Vários. Nossa, tem muitos! E essa é uma resposta que a gente é proibido de dar individualmente, porque cada um da banda ia dizer uma coisa, e aí eu precisaria estar com todos aqui. Cada um é uma viagem nessa banda, ninguém escuta a mesma coisa, cada um tem seu mundo musical. Mas os feats que a gente fez até agora foram coisas que rolaram naturalmente. Muito fruto da gente estar chegando aqui em São Paulo, conhecendo a galera, se aproximando. E a gente gosta que seja assim, uma coisa entre amigos, "vamos tirar um som e vamos fazer a música". Até agora foi assim. Mas quem sabe este ano um desses singles não seja com um feat muito doido aí? A gente está na vibe agora de misturar uma galera nada a ver (com a gente).

E eu não poderia deixar de perguntar: como é a experiência de vocês de tocar no Rio?

Cara, o Rio é o melhor público da banda. Fora Natal, né, que eu não posso falar que é melhor que Natal, que senão a galera vai deserdar a gente lá (risos). Pelo amor de Deus, é nossa casa! Mas no Rio é muito doido, desde o primeiro show. A galera curte muito e vai mesmo, canta todas as músicas, é aquela loucura. Quando fala que é show no Rio, já fica todo mundo com sangue no olho, porque sabe que vai ser irado, porque é a galera mais calorosa — fora Natal, atenção, natalenses, vocês são os melhores. Mas o Rio com certeza está ali, ó, pareia com Natal. Nosso primeiro show no Rio foi no Circo Voador, foi num Grito Rock, em 2013. Foi o dia em que a gente conheceu a galera do Scalene, inclusive. E a gente é até meio refém disso. Acho que tudo mundo, né? Quando o público está ali na fissura, a gente também fica na fissura, e é muito massa.

Vai lá:
Far From Alaska (abertura Nove Zero NoveRufinos e Nuclei)
Quando: Sábado, 9 de fevereiro, das 17h às 22h
Onde: Teatro Odisséia. Avenida Mem de Sá, 66 – Lapa
Quanto: R$ 40 (1º lote) e R$ 50 (2º lote)

Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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