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'Ainda é limitada a participação dos LGBTs nos espaços do rap', diz Hiran

Kamille Viola

28/12/2018 10h00

Hiran no clipe de "Muda", uma das faixas de seu disco. Foto: reprodução

Natural de Alagoinhas, cidade de 150 mil habitantes a cerca de 120 quilômetros de Salvador, Hiran canta desde os nove anos de idade. O rap veio na adolescência, quando começou a escrever poemas e a compor. Mas tinha medo de se aventurar no estilo, que no Brasil até bem pouco tempo não tinha espaço para LGBTs, como ele. No ano passado, ele finalmente decidiu apostar no gênero musical e lançou o primeiro single, "Choque de bass".

Com o apoio de nomes como o Baiana System, com quem se apresentou no carnaval de Salvador, e BNegão, que o convidou para abrir shows seus, foi ganhando mais espaço. Em março de 2018, foi lançou o álbum "Tem mana no rap", com nove faixas em que passeia sobre temas como homofobia e racismo. Em agosto, ele e a pernambucana radicada no Rio Duda Beat participaram de uma nova versão do hit "Cheguei", de ninguém menos que Ludmilla.

Atração da última edição de 2018 da Madrugada no Centro, que acontece esta sexta no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o artista de 23 anos falou ao Rio Adentro sobre a dificuldade para LGBTs dentro do rap, a atual cena musical baiana e contou vêm singles novos por aí em 2019. "É um ano que eu vou lançar algumas parcerias, antes de começar a pensar no meu segundo disco. Tem umas coisas bem legais", diz. Embora ele faça mistério, Duda Beat já adiantou ao blog que sairá uma parceria dos dois, ainda sem nome.

A noite de hoje no CCBB reúne O Rebu Bloco, que abre a programação; Festa Punanny, da Bahia, que convida Hiran; a Banda Mulamba, de Curitiba, que recebe Bia Ferreira e Doralyce, e Beget de Lucena, pernambucano de Exu, radicado em Campo Grande (MS), encerra a programação ao lado da banda Santo Chico.

É a primeira vez que você se apresenta no Rio? Como está a sua expectativa para esse show?

Não é a minha primeira vez, eu me apresentei uma vez enquanto backing vocal de uma banda de rock chamada Limbo, em 2017, antes de eu lançar meu primeiro single ainda, antes do disco, antes de tudo, e eu cantei este ano com o Jeza da Pedra na comemoração de um ano do 'Climão', da Letrux, no Circo Voador. Essa foi a primeira vez que eu cantei minhas músicas do disco. Em relação à expectativa para o show, eu estou super na onda, eu amo o Rio, estive pouco aí na minha vida, mas as vezes em que eu fui me diverti muito, eu gosto muito da energia das pessoas. E eu vou estar dividindo o palco com uma galera mó legal, que eu admiro muito, a Mis Ivy, a Bia Ferreira, Mulamba… E estou indo com amigos nessa maluquice dessa festa (risos).

E como foi essa primeira vez em que você apresentou suas músicas no Circo? Como você se sentiu, como foi a receptividade?

Foi lindo, foi lindo. Era um show meu cantar no Circo. Primeira vez que eu cantei minhas músicas (no Rio) foi lá, imagina! Surreal. E o público estava na energia, os ingressos estavam esgotados no dia, eu dividi o palco com o Jeza, que é um grande amigo, uma grande inspiração para mim também, tudo foda.

A gente está vendo artistas LGBTs conquistando espaço no rap. Não que não existissem rappers LGBTs antes, mas acho que agora eles estão conseguindo visibilidade. Como você enxerga esse cenário, esse momento? Como você se sente estando dentro do rap? Eu já vi você falando em entrevistas que você resistiu a ir um pouco a esse caminho… Como foi esse processo?

É meio truqueira essa situação, porque a gente está num lugar muito melhor do que algum tempo atrás, a gente conseguiu invadir esse sistema maluco do hip hop e meio que dar a cara a tapa ali. Hoje em dia existem algumas pessoas que estão fazendo isso, não é mais só uma ou duas, e não é mais centralizado só em São Paulo. Porém, a gente ainda não faz parte dessa realidade de uma forma incisiva. Eu digo dentro do hip hop, não na música no geral, mas dentro das expectativas do hip hop, os festivais de rap, os canais de rap, sabe? Ainda é muito limitada a participação dos LGBTs nesses locais. E isso termina dificuldade para muita gente, porque quem não beber do pop, da MPB ou de outros estilos provavelmente não vai conseguir se encaixar para tocar e fazer show. Isso é muito louco. A gente ainda tem agendas menores do que os caras héteros, a gente ainda está um pouco atrás, mas está dando a cara a tapa, invadindo e ocupando, e fazendo diferença mesmo.

O BNegão foi um cara que elogiou o seu trabalho e acho que isso de alguma forma ajuda, por esse ser conhecido e por ser um cara que também é do rap. Você sente que os caras héteros do rap ainda são fechados para os artistas LGBTs?

O BNegão é um cara que vem da cultura hip hop, mas ele respira música no geral, ele está aberto para outras coisas, assim como eu. A gente tem muita coisa em comum, e ele é um grande padrinho mesmo, é uma grande inspiração e um cara que me ajudou muito, muito, muito em muitas coisas, não tenho nem como listar aqui. Mas, quando você vai ver, no geral, os caras do rap mesmo, os caras que vivem os rap, que se intitulam rappers, que contratam artistas de rap para os festivais de rap… nesses lugares a gente ainda não está. Nos canais, nos sites, a gente ainda não está. Quando você vai ver os canais de vídeo de rap do YouTube você vai ver: a quantidade de LGBTs que tão fazendo música é muito discrepante. Tem um, dois no máximo que conseguem quebrar essa barreira. O Quebrada Queer (cypher LGBT de São Paulo que lançou o primeiro clipe pelo canal Rap Box, um dos mais importantes do gênero — Hiran está em um feat com eles, "Arruda") foi uma revolução, ninguém estava esperando uma parada daquelas, porque simplesmente não é a realidade da gente. Então estamos ainda nesse processo de desconstruir isso para criar uma outra realidade. Está muuuito, muuuito longe de ser o ideal. A gente ainda não ocupa os lugares do rap mesmo. Mas a gente segue. E, dentro dessa abertura que eu tenho, por exemplo, com a música pop e com a MPB, que também são coisas que estão perto de mim, e com essa musicalidade baiana toda que é indescritível, eu consegui ir me encontrando, sabe? Entre o soundsystem, e o pop, e aí fui indo. Então por isso que eu consegui quebrar uma barreira, de ter uma carreira, de fazer show, de viajar e tal

Estamos vendo um momento bem legal da música baiana alcançando o resto do país. Eu sei que a Bahia está em constante movimento, mas agora estamos olhando praí de novo, mais uma vez. Tem Baco, Àttøøxxá, Baiana System, Larissa Luz, Xenia França, Luedji Luna… Enfim, um momento bem rico e que está tendo uma projeção legal no cenário independente. Como você vê esse momento e como você se sente sendo parte dessa geração? Cada um tem seu estilo, mas estão todos acontecendo mais ou menos na mesma época.

Eu acho muito bonito ver a gente fazer tanta coisa expressiva em termos de conteúdo, de posicionamento. A gente está trazendo olhares e pontuando coisas importantes, cada um na sua praia, cada um no seu local, na sua realidade. Vindo de lugares diferentes, com influências diferentes, surgindo separados em momentos diferentes, mas ganhando essa notoriedade agora nesses últimos anos. Eu me sinto muito honrado de fazer parte, na real, de qualquer coisa, eu sou um cara do interior que nunca vislumbrei essas coisas acontecendo, mas que tinha um amor pela música e aí de repente vê tudo isso acontecendo, me faz ficar muito honrado. E ao mesmo tempo eu sei que a gente trabalha demais, se preocupa muito — eu posso falar do que eu conheço, a gente se preocupa muito em fazer o melhor trabalho possível, a melhor forma possível, dar o melhor corpo possível, para ficar o mais redondo, coeso. Esses frutos que nós estamos colhendo são muito dessa dedicação. Cada um do seu lugar, do pop à música popular tradicional, às várias vertentes de eletrônico e às misturas sensacionais que são feitas a partir do antigo e do novo. Enfim, é foda. Eu me sinto muito bem de estar nesse cenário, estou muito feliz de ver isso acontecendo.

Vai lá:
Madrugada no Centro
Quando: Sexta-feira, 28 de dezembro, das 22h às 4h
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Rua Primeiro de Março, 66 – Centro. Telefone: (21) 3808-2000
Quanto: R$ 15 (meia-entrada) e R$ 30

Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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