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'O racismo virou mais rotina na minha vida', diz Baco Exu do Blues

Kamille Viola

05/04/2019 10h00

Baco Exu do Blues no show 'Bluesman'. Foto: Ronca/divulgação

Pode-se dizer que a ascensão de Baco Exu do Blues foi meteórica. Aos 23 anos e com dois álbuns no currículo, ele é hoje um dos principais nomes do rap nacional. Seus trabalhos ganharam elogios da crítica e caíram nas graças do público. Os shows de sua turnê vêm esgotando, um após o outro — ele brinca que é "a princesinha do sold out".

O rapper baiano chamou a atenção do país em 2016, quando lançou a polêmica faixa "Sulicídio" ao lado do pernambucano Diomedes Chinaski. Dois anos depois, saía seu primeiro álbum, "Exu", que, impulsionado pela faixa "Te amo disgraça" (hoje com 20 milhões de visualizações no YouTube), levou o artista a se apresentar pelo país e rendeu a ele diversos troféus (inclusive o de Canção do Ano, no Prêmio Multishow).

Em 2018, veio o segundo disco, "Bluesman". Passeando por referências tão distintas quanto o escritor argentino Jorge Luiz Borges, Van Gogh, Kanye West e Jay Z, traz músicas que falam sobre as dores e a força do homem negro. O trabalho conta com as participações de Tim Bernardes, Tuyo, 1LUM3 e Bibi Caetano, além de beats produzidos por Portugal, JLZ e DKVPZ. O lançamento foi acompanhado de um curta de oito minutos que o artista chama de interpretação audiovisual do álbum.

Depois de lotar o Circo Voador em pouco tempo duas vezes este ano e a Cidade das Artes, no Rep Festival, Baco Exu do Blues está de volta à cidade, no evento Fabrika Apresenta. Ele sobe acompanhado pelo DJ BBzão e pela segunda voz potente de Shan Luango, Baco traz o guitarrista Ricardo Caian e as backing vocals Bibi Caetano e Aisha Valdoni. O rapper conversou com o blog sobre o disco novo, seu momento atual e racismo, entre outros temas.

Esse é o terceiro show aqui no Rio. E dos outros dois a gente nem sentiu cheiro do ingresso, esgotaram muito rápido. Como você está se sentindo com isso? Li que você é a "princesinha do sold out"…

Eu mesmo, princesinha do sold out, eternamente. Eu fico muito feliz, né, velho? Pela possibilidade de esgotar grandes casas em um curto período de tempo, como a gente fez no Circo aí. É muito doido. Até agora todos os shows que a gente fez da turnê foram sold out. Não sei explicar a sensação, é só realização. Parece que o trabalho foi feito da maneira mais correta possível, saca?

E está rolando muita coisa na sua carreira, depois do "Esù" parece que foi só ladeira acima. O que, para você, até agora, foi o mais incrível, que te fez pensar: "Caramba, isso está acontecendo mesmo comigo?"?

Acho que foi a segunda data do Circo Voador, que a gente esgotou em menos de 24 horas, foi um bagulho muito surreal. A gente soltou a data, a venda abriu de manhã, no começo da noite já não tinha mais ingresso nenhum. Eu falei: "Caralho, a gente está em outro nível de fato, a gente conseguiu passar de onde a gente está. Acho que foi nesse momento que caiu a ficha."

Tipo: "Acho que estou famoso…"

É (risos). Foi um alívio muito grande e me fez ver que eu estava em outro momento da carreira agora.

Cada hora é uma coisa diferente, né? Você foi entrevistado pelo Caetano…

Ah, teve isso também, eu estava pensando em show… Mas de carreira teve a entrevista com o Caetano, a entrevista no Lázaro (Ramos, para o programa "Espelho"), eu poder ter subido no palco para fazer uma participação com o Caetano e a Orquestra Rumpilezz, no mesmo palco que o Kamasi Washington subiu também (no Circo Voador, dia 22 de março)… Sei lá, é tudo muito novo, mas muito gostoso também de sentir.

E essa é a parte boa da coisa. E qual a parte difícil da fama?

Pô, ter tempo para viver. Você trabalha tanto às vezes que não tem tempo para aproveitar as conquistas. Conquistou uma coisa, viu ali, mas tem que voltar a trabalhar logo em seguida. Não tem tempo para comemorar de verdade. É foda.

E você continua morando em Salvador ou se mudou?

Eu tô por São Paulo, por enquanto, com uma equipe que é toda de Salvador, que veio comigo. A gente aqui há seis meses, mais ou menos, e está vendo como vão ser os próximos passos.

Você é parte de uma geração na Bahia que está crescendo, se destacando, conquistando mais público. Artistas negros de vários estilos diferentes: você, Luedji Luna, Baiana, Àttooxxá, enfim, cada um na sua vibe, mas é uma galera que está acontecendo mais ou menos ao mesmo tempo. O que você acha dessa cena?

Cara, acho que não existe uma geração baiana na parada. Existe a Bahia, que nunca parou de produzir artistas fodas e sempre tem esse diferencial dos artistas baianos, quando eles chegam na ascensão, quando o grande público percebe eles. Eu acho que tratar como um divisor de gerações é meio doido porque a Bahia nunca parou de produzir esses artistas. Sempre existiu essa parada da Bahia ser um dos nomes mais fortes do Brasil na música. E acho que é mais legado do que geração. Somos o legado que aprendeu com a galera e continua essa reprodução. Dividir por geração é complicado, porque, se a gente for ver, eu sou de uma bem mais nova do que o Baiana, do que o Àttooxxá, tenho bem menos tempo de carreira que eles. Então, a gente não é da mesma geração, mas somos da mesma Bahia, eu acho.

Mas você não acha que tem em comum agora o fato de os artistas que estão aparecendo serem todos negros e com discursos que trazem as questões do negro na música.

É… tem isso. Mas é meio doido, porque eu sempre achei que o som que sai da Bahia é um som de luta. Independentemente da forma como as pessoas olhem para ele. Até mesmo o axé. Eu acho que sempre foi um som de luta, sempre foi um som de guerrilha. Talvez as pessoas não tivessem percebido isso antes, mas a Bahia tem a sonoridade marcante e contundente. Se não é na fala que afronta, é na percussão que ela afronta, é na forma como os instrumentos são tocados. É uma parada muito peculiar, e essa peculiaridade é a luta.

Também, em paralelo a isso, o rap nacional também está num momento. O rap mundialmente está num momento importante, é a música mais escutada no planeta, e o rap nacional dentro disso tem artista se destacando. Como você vê esse momento brasileiro?

Eu acho que é um momento de calma e pouca afobação. Eu acho que a gente está conquistando muita coisa, mas os próximos passos têm que ser muito pensados, para tirar a impressão de que o rap é um subgênero das pessoas que não são ouvintes do estilo. O grande público tem que, cada vez mais, entender o rap como música, e não um uma subdivisão da música. Então esse é um momento de se organizar — a gente já chegou num ponto muito foda —, trabalhar de forma que a gente consiga não estou falando nem aceitação de ninguém, mas deixar claro que não é fácil fazer o que a gente faz.

Você acha que às vezes pensam que é fácil fazer rap?

É, e o mercado de negócios é muito diferentes dos outros mercados. Eu acho que falta muito respeito de contratantes quando se fala de rap. Eu acho que, cada vez mais, a gente tem que prezar por isso: ser o mais profissional possível e seu autovalorizar o máximo possível.

Você estava falando dessa questão do tempo. Você é um artista que sempre compõe? Como é o seu processo? Ou precisa parar?

Não, eu estou sempre criando, eu não paro. Se eu parar, eu não sei o que eu faço se eu paro. Minha vida é compor: ou eu estou compondo para mim, ou eu estou compondo para os outros. Fé em Deus (risos).

Você acabou de lançar um single ("Paris"). A ideia é ir lançando coisas com frequência?

É lançar coisas, é lançar projetos, é lançar novos artistas, é lançar tudo. Este ano tem muita novidade. E o próximo ano mais ainda.

Falando nisso, no seu disco a gente tem participação de artistas muito diferentes entre si, como Tuyo, Tim Bernardes… O que você tem curtido escutar?

Eu escuto muito seresta, ouço também bastante funk, 150 BPM daí do Rio, ouço bastante MPB, rap, jazz, blues, eu vario muito. Eu tento não ficar focado só em uma coisa para não atrofiar a mente nem o ouvido. Estou sempre variando, para aprender um pouco com cada ritmo.

No disco, você cita não só influência na música, das artes, de literatura… O que você tem curtido de outras áreas de arte?

Eu gosto muito de fotografia. Inclusive acabei de voltar da exposição do Rodrigo Sombra ("Noite insular: jardins invisíveis"), que está rolando aqui em São Paulo, umas fotos de Cuba, muito brutais, muito fodas. Fotografia me ajuda muito a compor. Quadro também me ajuda muito a compor. Livro me ajuda muito a compor. Todo tipo de arte é um gatilho para a criação.

Tem a ver com a tua relação com a fotografia o fato de que você lançou aquele filme junto do disco "Bluesman"?

Todos os meus discos têm um fotógrafo que comanda a parte conceitual da parada. O "Bluesman" teve a Helen Salomão, o "Esù" teve o Mario Cravo Neto (1947-2009). O próximo com certeza vai ter outra pessoa e o seguinte vai ter mais uma. E eu sempre vou continuar trabalhando dessa forma, porque as fotografias me ajudam a fazer minha arte, a entender minha arte também.

A ideia é lançar um álbum por ano? Ou não está pensando nisso?

Cara, eu não sei. Eu tenho dois projetos (dois álbuns) que estão em andamento, há muito tempo — quando eu estava fazendo "Bluesman" eu já estava com esses projetos. Mas não sei dizer quando vão sair, vão sair quando eu tiver vontade soltar eles no mundo. Eu estou trabalhando com calma em todos os eles, e uma hora sai. Não vou prometer para este ano, porque aí não sai e fodeu. Mas pode ser que saia este ano, pode ser que saia no próximo…

Você traz Exu no nome artístico, além desse ter sido o nome do seu primeiro disco. Você acha que o orixá ajudou a abrir seus caminhos? Segue uma religião de matriz africana?

É isso, acho que ajudou, sim. Sigo.

É teu santo?

Aí você já está entrando numa seara que é difícil de falar. Não posso dizer tanto (risos).

Mas então você acha que ajudou, deu um axé para a tua carreira…

Com certeza, é meu guardião.

Está rolando um momento superbonito na sua carreira, muita coisa boa acontecendo. Mas isso também não livra os artistas negros aqui no Brasil de sofrerem racismo, né? Como tem sido? O racismo tem te atingido de outras formas?

Vira mais rotina. Porque, a partir do momento em que você vive em ambientes mais brancos e mais ricos, de certa forma, de pessoas que têm mais dinheiro, obviamente te olham mais ainda como se você não pertencesse àquele lugar. Se as pessoas já te olham estranho quando você está na rua, acham que você não merece andar na mesma rua que elas, imagina quando te veem jantando no mesmo lugar que elas, comprando roupa no mesmo lugar que elas.

Como tem sido sua maneira de lidar com isso?

Depende muito. Tem vez que bato de frente, tem vez que eu só gasto dinheiro para provar que eu tenho mais que eles (risos). Depende do momento.

Então a sua vida está boa agora, financeiramente?

Boa é muito forte, mas está legal.

Consegue viver da música que você faz.

Com certeza, tem três anos que a gente vive.

Já comprou ou pensa em comprar uma casa para a sua mãe?

Ah, isso está nos meus planos, com certeza.

Um dos seus próximos planos é ajudar a família? Ou já consegue?

Eu já ajudo minha família bastante, mas ainda não dei casa para ninguém. Vai chegar o dia.

E as mulheres? Deve ter aumentado bastante o assédio. Como tem sido isso?

Não, não (risos). Tranquilo. Eu acho que… É… É isso. Eu trabalho muito, amor. Não tenho nem tempo para essas coisas (muitos risos).

Vai lá:
Fabrika Apresenta: Baco Exu do Blues
Quando: sábado, 6 de abril, das 22h às 5h
Onde: Fabrika. Estrada das Furnas, 1.805 – Itanhangá
Quanto: R$ 70 (3º lote)

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Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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