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'Nosso nome não está nos line ups dos eventos de rap', diz Quebrada Queer

Kamille Viola

22/02/2019 08h00

A partir da esquerda: Murilo Zyess, Lucas Boombeat, Harley, Guigo, DJ Apuke e Tchelo Gomez

Depois de passarem anos tentando um lugar ao sol na música, Murillo Zyess, Lucas Boombeat, Harlley, Guigo e Tchelo Gomez resolveram se juntar e tentar algo diferente: fizeram a primeira cypher gay de que ouviram falar, possivelmente pioneira no mundo. Em junho de 2018, lançaram no canal RapBox, conceituado no meio hip hop, o clipe "Quebrada Queer", produzido por Vibox, que leva o nome do projeto e traz os artistas em looks e rimas afrontosos. Quando foram fazer o primeiro show, juntaram-se à DJ Apuke, que passou a integrar o projeto.

O resultado foi bombástico. Oito meses depois, o clipe acumula mais de 2,5 milhão de visualizações, eles têm um EP lançado ("Ser — Sobre Existir e Resistir"), faixas no Top Viral do Spotify Brasil e uma agenda que não faz feio. Porém, reclamam que ainda haja pouco espaço no circuito do rap para eles. "Temos números mais expressivos do que metade desses caras que estão nos line ups aí e ainda não somos suficientes", aponta Guigo.

As coisas, no entanto, podem mudar em 2019. Nesta sexta (22), o grupo, pela primeira vez no Rio, abre o novo show de Criolo, "Boca de Lobo", no Circo Voador. "É importante, porque o Criolo é um artista de peso no hip hop", reconhece a DJ Apuke.

O Quebrada Queer conversou com o blog sobre a repercussão do trabalho do grupo, homofobia e a dificuldade conseguir no rap.

Vocês lançaram o primeiro clipe em junho do ano passado, no canal RapBox. Hoje ele está com 2,5 milhões de visualização. Esperavam essa repercussão toda?

Murillo Zyess: Quando a gente planejou fazer a cypher, a gente já sabia que ela iria ser falada, porque era uma coisa que era uma coisa muito original e inovadora para a cena para que passasse batido. Então a gente já sabia: "Provavelmente vai dar pano para manga, alguém vai falar alguma coisa, vão ser abertos os debates sobre isso." E aí quando a gente conseguiu concluir que seria (lançado) no RapBox, esse vínculo, esse meio de divulgar a música, aí a gente tem certeza: "De fato, vão ser abertas várias pautas, porque lá é um canal majoritariamente masculino e tal." A gente até esperava mais uma repercussão negativa por conta disso. Só que superou as nossas expectativas. Todo mundo achou que superou, porque foram bem absurdos, logo na primeira semana a gente teve um alcance bem da hora, bem mais do que a gente esperava, muitas pessoas comentaram, compartilharam, muitos artistas viram e compartilhavam. Foi muito mais positivo também do que a gente esperava. As críticas negativas foram poucas e foram bem ignorantes mesmo, foram num nicho de pessoa mal-informada e ignorante. Então desde essa cypher a gente tem recebido bastante retorno para o nosso trabalho. E sim, foi bastante surpresa para a gente.

Outros artistas de rap LGBTQ+ aqui do Brasil dizem que conseguem espaço para se apresentar em eventos de outros estilos musicais, mas muito pouco ou nunca no circuito de rap. Como é para vocês?

Lucas Boombeat: Para a gente não é tão diferente assim dos outros artistas LGBT da cena. Porque muitos contratantes são homens, héteros, que ainda não entenderam que música é para todos e o que a gente sente ainda é que rola aquele medo de associar o nome desses contratantes com artistas LGBT dentro do espaço do rap. Por esse reflexo da foto 3×4 que o rap é com sociedade. Não é nem um problema só do rap, é mais um problema social mesmo, do preconceito. Que se reflete dentro do homem contratante da cena. Então é muito por isso, por saber que nesse meio ainda existem muitos homens héteros que fazem com que isso aconteça. Por isso que rola essa dificuldade. Agora a gente está tendo a oportunidade de abrir o show do Criolo, mas essa é uma entre outras que não são dessa forma. Sempre é algum LGBT que se movimenta para a gente poder estar em algum espaço. Ou mulheres. Mas quando são contratantes homens, muitos não querem associar a imagem deles à gente dentro do espaço, para poder colocar num line up onde não tenha só artistas LGBT. Mesmo com todo o trabalho que nós fizemos, ainda somos subestimados.

Vocês conseguem viver da música hoje? Li que antes de formar a Quebrada Queer vocês tinham outros empregos e que largaram para se dedicar ao projeto. Quem fazia o quê?

Harlley: Todo mundo do Quebrada tinha suas carreiras musicais antes de rolar a cypher, tudo. E é muito louco, porque todo mundo trabalhou em outros empregos antes, coisas que não eram nosso sonho. O Murilo trabalhou em mercado, o Guigo trabalhou em biblioteca de faculdade, Tchelo é formado em publicidade e trabalhou em agência e eu trabalhei em casa do Norte. Então a gente meio que tinha essas fontes de renda, para pagar conta e fomentar nessa carreira, porque nós já tínhamos uma carreira musical antes de tudo isso acontecer. E é muito louco como a gente investia, investia e não acontecia. E eu acho que não era por conta de falta de talento ou de estrutura. O meio artístico no Brasil é muito complicado, ainda mais o independente — que, na verdade, é muito dependente. Muito dependente de outras pessoas, que veem, que divulgam, que fazer com que esse trabalho chegue numa massa maior. O Quebrada veio como uma urgência, ele veio no momento certo. Eu acho que muito do nosso público, na verdade cem por cento, se identificou com a letra, de alguma forma. Até as pessoas héteros que ouviram. Então elas falaram: "Caralho, acho que é bom a gente pensar sobre isso." A gente fica muito grato de ter todo esse público agora, mas são carreiras que já vêm de bastante tempo. E viver de música eu acho que é muito forte ainda. Eu acho que a gente está plantando e colhendo, porém a gente ainda plantou mais coisa e a gente sabe que pode colher mais. E talvez esse ano seja o ano da colheita, mais uma vez, e vai dar tudo certo para nós, e aí, sim, a gente vai poder falar: "Eu vivo de música."

Vocês vão abrir o show do Criolo aqui no Rio. Qual é a importância disso para vocês? Já conhecem ele?

Apuke: Abrir o show do Criolo para o Quebrada Queer no Rio de Janeiro é extremamente importante, é uma felicidade. A gente está com muita vontade de fazer esse show. E é importante, porque o Criolo é um artista de peso no hip hop. Nós estamos muito felizes. Não podemos esquecer que o público dele é majoritariamente hétero, então receber esse apoio dele, essa permissão para que o Quebrada possa abrir o show, é um apoio para nós, que somos da causa LGBT, e é um apoio importante, porque você une forças, você ganha espaço. Além de ser o show do Criolo, é no Rio de Janeiro, é no Circo Voador, é um local onde sempre foi da vontade todos integrantes tocar. Eu, que sou a DJ e beatmaker do grupo, estou muito contente, porque vou abrir o show do Quebrada, depois com o Quebrada eu vou abrir o show do Criolo, então minha felicidade é em dobro. A gente está com muita gratidão. Nós já conhecemos o Criolo e recebemos o convite dele num show aqui em São Paulo. E foi superespecial, ele falou sobre a importância que vê no nosso cenário, na nossa música, na nossa arte. Além de um artista excepcional, o Criolo é uma pessoal excepcional também, então estar ao lado dele, dividir o palco com ele, a mesma noite, o mesmo evento é uma responsabilidade grande, mas é uma felicidade também.

O Brasil é um país muito violento com os gays. Recebem muitas mensagens de ódio? Como lidam com isso?

Tchelo Gomez: Nós já recebemos mensagens de ódio, no início. Quando a cypher saiu, no canal RapBox, que é um dos maiores do estilo no Brasil, como a galera não estava acostumada, recebemos algumas mensagens de ódio, principalmente pela frase "Deus é travesti", as pessoas levaram isso de um forma que na real não faz sentido. Porque na própria igreja, seja ela protestante, católica, eles pregam que a gente tem que amar o nosso semelhante. E "nosso semelhante" se aplica a travesti, a moradores de rua, enfim, a pessoas de todas as etnias, classes. Muitas pessoas, por causa dessa frase em especial, vieram com ameaça de morte, de tacar fogo (na gente), mas isso foi tudo nos comentários do RapBox no YouTube. Mas também foi uma pequena parcela, comparada com um todo com mensagens positivas, críticas construtivas e apoio de muitas pessoas LGBT e não LGBT. No começo a gente ficou um pouco assustado, era um volume enorme de mensagens, negativas e muito mais de positivas, então nós combinamos entre nós que não iríamos rebater, a gente só ia deixar acontecer, ia permanecer unido, dando um força um para o outro, e foi isso que aconteceu. Quando tinha mensagem de ódio a gente deixava para lá, porque eram de pessoas que não davam as caras. Hoje a gente não recebe mais. Pelo menos não chega até a gente. Estamos tranquilos quanto a isso.

O rap sempre foi um meio ser machista e homofóbico. Sentem que as coisas mudaram?

Guigo: A verdade é que não. Na realidade, eu acho que isso ainda está muito longe de acontecer. É evidente que a gente avançou, tempos números que provam isso, artistas LGBT que finalmente estão se arriscando e estão cruzando essa linha que dividia a gente deles, mas ainda assim os nossos nomes não estão nos line ups, nas festas, nos eventos de rap. A gente hoje está a caminho de um show no Circo Voador, abrindo o show de um dos maiores artistas que a gente tem, um dos maiores nomes do rap que a gente tem, que é o Criolo, e ainda assim a gente não é suficiente no rap. Em menos de seis meses, a gente colocou duas vezes em primeiro lugar no Top Viral do Spotify Brasil e a gente ainda não é suficiente. Somos indicados como uma das apostas para 2019 pela Billboard Brasil ainda não somos suficientes. Temos números mais expressivos do que metade desses caras que estão nos line ups aí e ainda não somos suficientes. Ou seja, isso responde à sua pergunta. O machismo e a homofobia permanecem presentes no rap. Eu acho que, se a gente olhar para todas essas coisas que eu apontei, fica muito claro, muito evidente que não pode ser outra coisa que não homofobia, que não machismo. Porra, se a gente tem todas essas coisas em nosso favor enquanto artistas mesmo, se a gente fez tudo isso pelo rap, eu acho que há muitos anos não acontecia uma mudança, uma coisa tão forte que colocasse o nome do rap de novo em todo canto como foi o início do Quebrada Queer. Há muito tempo nada parecido com isso. E a gente fez tudo isso, e a gente ainda não é suficiente, a gente ainda não está nos festivais, nos line ups, nas festas organizadas por essas caras do rap. Não, ainda está muito longe disso acontecer. Mas a sorte é que o número de bichas e de manas fazendo isso aumentou. A proporção agora ainda não é igual, mas tende a se tornar.

Vai lá:
Criolo e Quebrada Queer
Quando: Sexta-feira, 22 de fevereiro, às 22h (abertura dos portões)
Onde: Circo Voador. Rua dos Arcos, s/nº, Lapa
Quanto: R$ 60 (meia-entrada com 1kg de alimento) a R$ 120

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Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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