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Basquiat, um dos maiores expoentes da arte da remixagem

Kamille Viola

19/10/2018 14h00

Basquiat. Imagem cedida pelo Brooklyn Museu

Depois de passar por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, chega ao Rio a exposição "Jean-Michel Basquiat — Obras da Coleção Mugrabi", a maior sobre o artista já realizada na América Latina. São mais de 80 obras do nova-iorquino, um dos grandes nomes da cultura pop, entre quadros, desenhos, gravuras e pratos pintados pelo artista.

Com curadoria de Pieter Tjabbes, da Art Unlimited, a retrospectiva de Basquiat, inaugurada semana passada no Centro Cultura Banco do Brasil, reúne obras do acervo da família Mugrabi, dona das maiores coleções de Basquiat e de Andy Warhol – amigo e influência do pintor, com quem produziu inúmeras obras em parceria.

Negro, filho de imigrantes caribenhos, Jean-Michel Basquiat (1960-1988) começou a pintar em 1976, em Downtown Manthattan, nas paredes de prédios abandonados e no metrô, quando ele e o amigo Al Diaz assinavam com o pseudônimo SAMO, sigla da expressão "Same Old Shit", ou "Mesma Merda de Sempre". Formou uma banda com o então desconhecido Vincent Gallo, chamada Gray, na qual tocava clarinete.

Sua técnica misturava elementos como colagens, cópias reprográficas, palavras e imagens da anatomia humanas. Foi um dos raros artistas negros a ter reconhecimento (ainda em vida) na arte, um universo dominado pelos brancos. Ao notar que quase não havia pessoas de sua cor em pinturas, decidiu fazer delas as protagonistas de seus trabalhos. Em 2017, uma tela sua, "Sem título" (1982), foi leiloada por mais de US$ 110 milhões, tornando-se a obra de arte norte-americana já vendida.

Basquiat morreu aos 27 anos, como outros mitos da cultura pop, vítima de overdose de uma combinação de cocaína e heroína. Em entrevista ao Rio Adentro, o curador, Pieter Tjabbes, falou sobre a importância do artista e dessa exposição.

"Sem Título (Bracco di Ferro)", 1983

Como a obra de Basquiat reflete a época e o lugar do artista?

Jean-Michel Basquiat é um dos maiores artistas plásticos da segunda metade do século 20. Ele foi expoente em consagrar as manifestações vindas da rua como arte. Sua obra reflete os ritmos, os sons e a vida de Nova York nos anos 70 e 80. Ela sumariza o discurso artístico, musical, literário e político da cidade durante este período tão fértil. A obra do Basquiat segue atual e influente, ainda temos muito a descobrir do legado deixado pelo artista. Mas gostaria de destacar que parte da modernidade estética trazida por Basquiat tem, em sua essência, a recuperação de uma prática artista: a técnica da colagem. Também fizeram a marca do artista o seu lado multifacetado, aplicando sua criatividade nas telas, em desenhos e até na música.

Qual a principal marca da obra de Basquiat?

Basquiat é um artista tão plural que, por mais que já tenhamos visto tanto sobre ele, há sempre algo a descobrir. Os críticos classificaram Basquiat primeiramente como neoexpressionista por suas figuras poderosas e desnudadas, muito presentes nas obras dele. Essa é uma interpretação correta, mas que deixa de fora o elemento mais importante de sua inovação artística. A colagem dinâmica de palavras, imagens e objetos achados, muito característicos da obra dele, fazem de Basquiat um prelúdio à intensificação do uso da colagem no século 21, e um dos principais expoentes da cultura da remixagem.

Basquiat é um dos poucos negros de destaque na arte, um universo dominado por brancos. Qual a importância de seu trabalho em termos de representatividade?

De fato, Basquiat era um dos poucos afro-americanos numa época que o mundo artístico era predominantemente branco. Ao longo de sua carreira, sua arte trouxe à tona a experiência de ser negro e as conquistas culturais dos negros. Do ponto de vista estético, Basquiat foi um artista plástico cuja pintura transcendeu as telas. Isso é uma prática própria da arte urbana, mas que, com Basquiat, ganhou as grandes galerias do mundo. Ele pintava tudo: pratos, portas, esquadrias de janelas e peças de madeira que ele achava pelas ruas. Ou seja, ele enxergava qualquer superfície como um espaço para a arte. Mas ele é um artista de estúdio, não trabalhava nas ruas.

E qual a importância de trazer uma exposição de um país com as caraterísticas do Brasil, com uma grande população negra e pouco conhecimento da história de nossos ancestrais africanos?

Basquiat teve um papel de porta-voz das minorias que conseguiu dialogar muito bem tanto com o universo das galerias como com a mídia. Fez tudo isso sem abrir mão do seu estilo, de sua essência e obteve, ao mesmo tempo, um enorme sucesso comercial. Por isso, sua importância ultrapassa o âmbito da cultura, pois foi um artista politizado e muitos dos temas que levantou na época estão presentes nos principais debates políticos de hoje, inclusive no Brasil, como a discriminação contra minorias, o respeito às diferenças raciais e de gênero, temas que estão todos lá, em sua obra. Não podemos esquecer que se trata de um artista de pele negra, de origem caribenha, que, embora criado num ambiente de classe média, sofreu uma série de preconceitos raciais presentes na sociedade norte-americana daquele tempo. E esses aspectos também estão na realidade de muitos brasileiros, por isso, fizemos questão de construir uma exposição que destacasse essa relação com a cultura brasileira.

Vai lá:
Jean-Michel Basquiat — Obras da Coleção Mugrabi
Quando: Até 7 de janeiro de 2019
Onde: Centro Cultural Banco do Brasi. Rua Primeiro de Março, 66, Centro. Telefone: (21) 3808-2020
Quanto: Grátis

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Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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