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'Acho importante ter amigo que fala: para, que tá feio', diz Silva

Kamille Viola

15/02/2019 12h56

Silva canta sucessos dos anos 90 na Fundição. Foto: Breno Galtier

O cantor Silva era criança quando o axé dominavam as ruas de Vitória, onde ele nasceu, no carnaval. Como a família de sua mãe era evangélica, ele acabava nunca aproveitando a folia, mas aquelas músicas, que dominaram também o rádio e a TV, jamais saíram de sua memória.

Há uns meses, ao tocar em um festival grande, com um público que provavelmente nem sabia quem ele era, pensou e chamar atenção das pessoas e teve uma ideia: tocar "Me abraça", da Banda Eva,  logo no comecinho do show. Fez tanto sucesso que pouco depois ele lançaria o Bloco do Silva, show em que criou novos arranjos para hits dos anos 90.

O pagode romântico (ou paulista) nem sempre marca presença no repertório, mas no Rio está garantido um bloco que tem músicas como "Deixa acontecer" e "Tá escrito", do Revelação. Ele se apresenta hoje na Fundição, a partir das 22h, com participações especiais de Moraes Moreira e Illy, e bateu um papo com o blog.

Como foi que surgiu a ideia do Bloco do Silva? Vi que já teve o show em Salvador…

Nessa turnê, 'Brasileiro' eu já comecei a sentir que estava ficando mais solto no palco, mais à vontade, sem ter mais aquelas inseguranças de, no começo, pensar: "Por que foi que escolhi isso pra fazer da vida?". Essa coisa realmente vem de experiência. Daí nessa turnê 'Brasileiro'  que ainda não acabou, inclusive, a gente vai fazer uma pausa depois continuar fazendo a parte dois — pude ter uma experiência diferente. Eu sou um artista que tocou em teatro desde o começo, em salas com pessoas sentadas, não vendendo bebida. Então, às vezes, as músicas que você preparava, não pensando no disco, mas para festival, acabava não tendo muito como fazer. Você faz dois festivais, a gente tá num país que não tem tanto festival assim, e quando o festival é grande você não pode tocar em outros… Nessa turnê, eu comecei a ter uns gostinhos. Em São Paulo, eu toquei no Cine Joia, com todo mundo em pé e vendendo bebida, então tive que fazer uma adaptação desse show, para ele funcionar nesse ambiente de festa. Comecei a gostar muito da experiência, era muito diferente o jeito que o show acontecia: "Nossa, minhas músicas são dançantes e eu nem me dava conta!". As pessoas pedindo muito: "Ah quero ver esse show mais vezes, de pé, fica uma energia tão boa!". Aí fui fazer ele em Brasília, num festival que eles têm, chamado Na Praia — achava o nome inclusive muito curioso, Na Praia, em Brasília — e o line-up era superpopular, Safadão, Anitta, Jorge e Matheus, e eu ficava com essa dúvida: o que será que vai ser desse festival? Mas eu fiquei feliz, porque me chamaram, e era no mesmo dia em que o Saulo tocava. Quando fui vendo o perfil do evento, cheguei, fui passar som, dar uma lida no que seria direito, comecei a perguntar para os meninos da banda: "Você sabe aquela música da Banda Eva, 'Me abraça'?" Aí eles: claro, todo mundo toca, até o cara do sax disse: "Claro que eu sei", e veio com a melodia assim 'tarararara' (cantarola). Aí eu coloquei algumas músicas assim no show e vi que esse público, onde muita gente não me conhecia, não sabia quem eu era — só nesse dia no festival, tinha umas 20, 25 mil pessoas — se interessou. Eu cantava num palco menor e, quando comecei a tocar isso, logo no começo do show, fui bem esperto, as pessoas começaram a vir para o show e ficaram. Até quem não me conhecia viu o show inteiro. Foi uma vibe, uma energia incrível. Aí o dono do festival ficou superempolgado, e uns produtores de lá, amigos nossos, disseram: "Cara, acho que você tem que fazer um show assim, vai ser tão legal!" Ninguém mais toca esse repertório, que é o da minha infância, eu cresci ouvindo isso, sabe? Tenho 30 e era criança nos anos 90, vi todo esse movimento acontecendo, ainda mais por ser de Vitória, a gente tem muito essa coisa de consumir o que vem da Bahia. Aqui, até hoje, no verão, só toca música baiana, praticamente. Então eu tive essa vontade e aí, quando falei para as pessoas sobre o bloco, a reação era sempre muito positiva. Amigos mesmo, pessoas que falam a verdade. Porque eu gosto muito disso, acho importante ter isso na vida, na carreira. Gente que fala: "Não, para que tá feio!". E essas pessoas que eu sei que vão ter essa reação comigo, todo mundo dizia: "Pô, porque você não fez isso antes, cara?". Mas é que eu não tinha nem cabeça para fazer isso, sei lá, experiência de palco mesmo. Não que eu seja uma Ivete, mas agora eu já fico à vontade para fazer do meu jeitinho, vou lá e canto as músicas que eu mais gosto. Então eu estou feliz que isso aconteceu, era só uma coisa que na minha cabeça era impossível, "uau, será que isso vai dar certo?". E que eu acho que isso deixa tudo mais legal mesmo, sair dessa caixinha, dessa zona de conforto, e tentar uma coisa com um repertório que eu conhecia mas nunca tinha experimentado cantar. Acho que você acaba se surpreendendo consigo mesmo e isso passa para as pessoas.

E o repertório ele não é só de música baiana, mas acho que tem uma presença grande, né? Como é?

Não fiquei preso só à Bahia. Falo muito da Bahia pela memória afetiva mesmo, que era o que tocava aqui (em Vitória, no Espírito Santo), ainda toca, tem essa paixão por axé até hoje. Quando as micaretas não estavam mais rolando no Brasil todo, aqui em Vitória ainda rolava muito. Mas minha família toda é do Rio, não da capital, mas Niterói e São Gonçalo, que é de onde meus tios são, e eu sempre cresci ouvindo muito Novos Baianos, que ainda tem muito da Bahia, claro, mas nessa história já me levou para essa coisa Rio. A família do meu pai é toda do samba. São todos do Morro da Piedade, que era onde minha avó morava, tem vários sambistas que tocam superbem, cavaquinho, sete cordas… Então o Rio também sempre teve muito presente musicalmente na minha vida. Teve a história com Marisa (Monte), por quem eu sempre fui apaixonado, tem um pouquinho de tudo. Falei mais da Bahia porque era a onda que eu estava musicalmente quando criei o projeto. Mas é um show em que dá para colocar tudo, nesse show no Rio eu vou colocar Revelação, Só Pra Contrariar, tem o set do Moraes, entende? Tem muita coisa.

Você falou dessa coisa da sua infância, da memória afetiva. Não é de hoje mas tá rolando um momento anos 90, né? Não só na novela, por coincidência agora, mas isso que você falou, do revival. Aqui no Rio isso também é bem forte, do axé, mas dessa época e desse pagode que você citou. O Leandro Lehart voltou para o Art Popular… Está rolando mesmo uma fase.

Ah que bom, fico superfeliz pela parte que me toca. Tem tantas coisas coisas dessa época, fico feliz do mercado estar interessado nisso também.

Eu vi uma matéria sobre o show em Salvador, quando você apresentou o Bloco do Silva, e você falou que nunca passou o carnaval lá. Fiquei curiosa. Como são as suas experiências de carnaval? Você passava pelo Espírito Santo? Ou como era?

Elas são quase nulas, porque eu sou uma cara de família toda evangélica. É muito doido isso, porque isso era na minha família por parte de mãe, e, ao mesmo tempo, na parte do meu pai é completamente diferente, o pessoal é do samba e candomblé, é uma coisa quase que lembra Bahia um pouco, porque mistura o catolicismo com o candomblé. Então eu tive esses dois lados, mas, nessas horas de carnaval, a gente viajava muito, meus pais e meus irmãos. Não era nem pra longe, mas no Espírito Santo, para um lugar mais calmo, uma praia mais afastada, sempre era meio que se proteger, talvez por causa da religião. Mas da música não tinha como fugir, porque você ia para a praia e estava tocando ali "Mal acostumado", várias coisas daquela época, e isso ficava na cabeça, o verão inteiro tocando, e eu voltava para casa sabendo cantar tudo. Para mim, foi só um flerte musical, não tive uma experiência de vários carnavais em Salvador ou no Rio. Eu nunca vi um desfile na Sapucaí, em Salvador, são coisas novas para mim. Hoje eu tenho uma independência. Quando eu conquistei a financeira também, da minha carreira, minha vida, aos 23, eu comecei a trabalhar muito, fui emendando um disco no outro, só parei agora. Tenho sete anos de carreira, mas gravei cinco discos de estúdio e dois ao vivo, é muita coisa. Só agora que eu estou falando: "Preciso parar, preciso curtir." Este ano eu vou no carnaval de Salvador. A Daniela me convidou para cantar no trio com ela, então eu vou começar a ter essas experiências agora, com 30 anos (risos). Mas eu estou feliz, porque acho que está vindo na hora certa, estou indo com muita curiosidade, com o coração aberto, quero muito conhecer as coisas boas que o carnaval tem. E, ao mesmo tempo, a Daniela mesmo falou me isso: "Eu acho legal que você está vindo e parece um papel em branco, que chegou, cantou em Salvador um repertório que nem a gente é da Bahia está cantando mais…" E foi legal. Gostei muito da recepção deles e fui bem recebido na Bahia, fiquei muito feliz com isso. Tinha medo de ser uma coisa meio, não sei se é o termo mais certo, mas sabe aquela sensação de que a pessoa está indo como se fosse para um safári? Vai para um lugar e fica: "Ah, eu estou na Bahia, agora eu vou ser o mais baiano possível." Eu tinha medo de me apropriar de algo que eles fazem tão bem, mas na verdade eles receberam isso como uma homenagem mesmo. Ninguém olhou assim: "Ah, esse menino capixaba está tentando pegar nosso repertório." Foi uma meio: "Ah, que bom que você está fazendo isso, obrigado, porque a gente mesmo precisa voltar a dar valor a isso, ao samba reggae, aos blocos afro", e essa coisa tão linda que tem ali.

E como você sentiu que era o público? Era uma galera da sua idade ou mais velha? O que achou do público que foi ver esse repertório?

Achei que tinha um público muito da minha idade, claro que vi mais novas, mas a maioria era de pessoas que tinha vivido a infância nos anos 90. E aí mexia com todo mundo. É um show que é quase um coral, se eu desligar o meu microfone, todo mundo vai continuar cantando. Porque são músicas que todo mundo tem na ponta da língua. É uma coisa muito deliciosa de sentir. Para quem está no palco tocando, é uma sensação muito boa.

Você toca alguma coisa do seu repertório?

Coloco algumas. Como tirando esse projeto cantando Marisa os meus shows sempre foram muito autorais, então eu acho legal isso agora de ser intérprete, pegar uma música que, inicialmente, não teria nada a ver com você. Essas coisas, sabe? Acho que isso enriquece. Porque se a gente fica só no — eu adoro essa expressão, é muito o que eu vivi — famoso pregar para crente, martelando para o mesmo público, para as mesmas pessoas, falando só o que todo mundo já espera que você vá falar, a gente empobrece muito em termos de criatividade, fica muito raso. E isso está me dando, sei lá, uma coragem pra fazer outras coisas, vai abrindo a cabeça. Pô, até pagodão tem no show, sabe? A batida virou um pagodão em cima de uma música minha, é um momento que você pode brincar com seu próprio repertório: ah, a música no disco é assim, bonitinha, violãozinho, mas aqui era vira o que a gente quiser que ela vire. Então eu gostei muito.

Estava pensando nisso mesmo que você, nos últimos, tempos veio exercitando e mostrando seu lado intérprete, se aventurando aí…

Acho legal isso, acho que porque meus artistas prediletos sempre brincaram com isso, tem essa coisa com o Gil e Caetano e Gal, várias fases, você vem que existem vários discos ali. A crítica saiu matando em cima deles, e eles foram assim mesmo. Depois fizeram um disco supermaluco, depois um superpopular, com canções que são hinos até hoje, aí depois faz uma coisa mais experimental. Acho importante ter isso na carreira, você se permitir experimentar coisas mesmo, porque senão enjoa, você vira uma máquina de repetição, fazendo sempre a mesma coisa. Acho saudável tanto para você quanto para quem te acompanha.

Eu estava pensando mesmo no Caetano, porque ele é um que adora pegar uma música que a gente não espera e recriar de uma forma diferente, surpreendente…

É um gênio. Fico chocado. Esses dias agora na Bahia vi o Caetano muitas vezes e tive a oportunidade de conversar com ele direito, sem aquela coisa de ser pós-show, no camarim, que o máximo que você consegue falar é: "Pô, adorei o show", "Obrigado". Então você vê, é um cara que tem 76 e é uma pessoa que, não sei, a impressão que tenho é que estou conversando com alguém mais jovem do que eu. Uma bagagem gigantesca, uma cabeça que você fala assim: "Nossa!". Impressionante como não parou no tempo, continua criando, ligado em tudo. Uma coisa que eu quero aprender do Caetano é isso, não parar no tempo, ser alguém que continua.

E, como você está dizendo ainda agora, você sempre veio com um disco atrás do outro, é meio workahlolic…

(Risos). Um pouco.

Então o que você está planejando para este ano?

Uma coisa que eu penso muito, não a ponto de ficar maluco com  isso, mas acho importante quem trabalha com isso, quem vive fazendo música ter em mente. É que a gente está num tempo que não dá mais para… Primeiro, que não tem nem mais o investimento que tinha antigamente, falando da estrutura — que eu ouço falar, porque eu sou de uma época que já nem tinha isso. Eu lembro da Daniela me contando: quando ela foi fazer o "Feijão com arroz" (1996), ela teve dois anos para fazer o álbum, orçamento de mais de um milhão, testando várias bandas. Ela ficou dois anos testando, passou por dez formações diferentes, até chegar no som do disco. É uma coisa que hoje não cabe mais, nem no orçamento de quem vai fazer, e nem o tempo. Acho que o timing é uma coisa muito importante, a gente está em um mundo onde uma série de seis meses atrás é uma coisa que todo mundo já viu e já esta velha, e quer a próxima temporada. Esse consumo tão rápido das coisas, frenético, está tudo sempre na mão, você pode ouvir o que você quiser, nas plataformas digitais. Então eu acho que um disco rapidinho quem quer ouvir já ouviu e logo está esperando uma coisa nova. É muito louco isso. Ao mesmo tempo que eu acho importante você dar uma parada para a sua cabeça processar as coisas. Acho que tem a questão da fantasia estar maior do que a nossa mente pode processar. Eu fico pensando nessas coisas, viajando mesmo. Agora quero dar um tempo, aproveitar, fazer esse show, essa turnê ser um pouquinho mais longa, tocar em cidades onde eu ainda não fui  — tem vários lugares ali do Norte do Brasil onde não consegui ir. Já fui a Belém e a Manaus, mas faltam outros lugares. Então dessa vez eu não quero já fazer um disco agora. Talvez este ano eu foque em fazer singles. Fazer parcerias com pessoas com quem eu tenho vontade e deixar um álbum mais para frente, em 2020. Mas eu estou pensando. Já tem composição pronta (risos). Eu não consigo parar. Acho legal ir guardando. Se deixar passar, depois não volta igual. Pode voltar até melhor, mas não volta igual. Então eu acho legal pelo menos ter registrado: "h, olha, eu tava fazendo isso aqui nesse época.

E você estava falando que em Vitória tocava muito axé e eu fiquei curiosa: como é o carnaval aí? Porque aqui no Sudeste a gente acaba menos do Espírito Santo do que todos os estados.

Vitória sempre teve essa coisa, a gente é pequenininho e vizinho de estados muito emblemáticos para a cultura brasileira: Rio, Bahia, Minas. Eu brinco que a gente não passa nem na previsão do tempo. E tem essa coisa, os capixabas sempre saem daqui, eu tenho muitos amigos morando no Rio, muitos em São Paulo, eu sou um dos únicos que ficaram morando aqui. Mas nem por bairrismo, é mais por gostar, eu acho que me faz bem, estou pertinho de tudo. Quando eu preciso ir a São Paulo, ao Rio, à Bahia, eu estou perto. E gosto disso. O carnaval aqui está começando a crescer agora. Eu espero que o carnaval de Vitória crie sua própria identidade, seu jeitinho de fazer as coisas. A gente tem um centro que é muito bonito, que combina com os blocos, também. Seria muito legal se fizessem uma coisa aqui que flertasse com o Rio, essa coisa mais da rua. Eu recebi até um convite do governo da Bahia para fazer um trio, acredita? Barra-Ondina. Eu nunca fiz trio, mas achei melhor não aceitar agora. Só para fazer esse show, que tem quase três horas de duração, é muito longo, muita música, já deu um trabalho gigante para ensaiar isso tudo, e eu sou muito criterioso com isso, eu fiz arranjo de sopros, de metais para cada música. Não tem nenhum tipo barzinho. Está tudo com arranjo incrível, tudo foi muito bem pensando. Agora, pegar um trio de seis horas, eu falo: "Meu Deus, eu vou ficar dois meses mais ensaiando!". Então prefiro deixar isso mais para a frente, num momento em que eu estiver mais calejado para um projeto desse tipo.

Vai lá:
Bloco do Silva
Quando: Sexta-feira, 15 de fevereiro, às 22h
Onde: Fundição Progresso
Quanto: R$ 70 (meia-entrada) a R$ 140

Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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