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'Pressão para criar o segundo disco foi instigante', diz Amaro Freitas

Kamille Viola

15/01/2019 13h01

Revelação do jazz nacional, Amaro Freitas é atração do Manouche. Foto: divulgação

Revelado em 2016, quando lançou seu disco de estreia, "Sangue negro", o pianista Amaro Freitas desde então coleciona elogios ao seu trabalho, que rendeu comparações a ninguém menos que Hermeto Paschoal. Com "Rasif" (palavra árabe que deu origem ao nome Recife, cidade do artista), seu segundo álbum, lançado em novembro do ano passado, não foi diferente, e ele ainda embarcou para sua primeira turnê na Europa, onde fez sete shows. E o Rio terá um gostinho desse trabalho, que ainda não foi apresentado na cidade, nesta terça-feira: Amaro apresenta ao lado da conterrânea Isadora Melo o show "Quadrilosseres", no Manouche.

É apenas a primeira apresentação do projeto — a primeira foi em São Paulo. Além das composições próprias, com destaque para o disco novo, o repertório tem um viés politizado. O poema "Abre alas", de Luna Vitrolira, lido por Isadora, fala sobre ser mulher negra numa sociedade racista e machista. Também há canções que evocam o elo com os demais países da América Latina (como "Barco quieto", de Maria Helena Walsh, e "Fina estampa", de Chabuca Granda) e o Norte do país ("Conseguiram parabéns" do amazonense Manduca), além de trazer compositores de destaque da atual cena pernambucana, como Zé Manoel e Juliano Holanda.

Embora menos conhecida no país que o companheiro de palco, Isadora é figura importante da atual cena musical de Recife. Ela chamou atenção ao dividir os vocais com Juliano Holanda no disco de estreia do artista, "A arte de ser invisível", de 2013. Também participou da série "Amorteamo", na Globo, em 2015 (com trilha de Holanda), e também do espetáculo musical "Dorinha, meu amor", escrito e dirigido por João Falcão, feito especialmente para Isadora. Em 2014, lançou o EP "Isadora Melo" e, dois anos depois, seu álbum de estreia, "Vestuário". Ela também integra o coletivo Reverbo, que reúne diversos nomes da cena autoral contemporânea pernambucana.

Amaro Freitas conversou com o blog sobre seu segundo disco e o show que apresenta hoje ao lado de Isadora Melo. Para ele, um dos segredos para a repercussão positiva de seu trabalho é o que chama de tocar com intenção. "Você pode tocar a mesma nota com intenção e sem. E eu acho que essa que a gente toca com intenção vai direto, toca a pessoa também", arrisca ele. "Eu tenho uma música chamada "Trupé" (em "Rasif"), que é um Coco de Arcoverde (PE). O coco tem várias modalidades. E essa música é tocada com a sandalinha de madeira. Eu pego a célula rítmica dessa sandalinha e transformo em melodia. Eu acho que isso atrai as pessoas: 'Meu irmão, que som é esse?"', exemplifica.

O "Sangue negro" teve uma ótima repercussão, um monte de críticas positivas no Brasil e no exterior, e acredito que sempre acabe ficando uma expectativa grande para um segundo disco de um artista que tenha impactado tanto com uma estreia. Como foi para você? Você se sentiu pressionado para fazer o segundo disco? Digo internamente mesmo. Como foi para você lidar com isso?

O "Sangue negro" realmente foi um grande sucesso. É um disco que muda a minha vida. Eu não sabia o que ia acontecer com esse trabalho, eu só tentei fazer ele da melhor forma possível. E ele acabou ganhando grandes matérias nacionais e internacionais, boas avaliações de críticos especializados em jazz, em música instrumental e também críticas de jornalistas que falam de MPB e que falam de artistas de modo geral, sem ser de um nicho específico. Isso realmente gera uma certa pressão, rola uma certa curiosidade sobre o que vai vir, em relação ao segundo disco. Eu posso dizer que esse foi um fator que eu levei de uma forma positiva. Como se fosse uma instiga até para criar esse segundo disco. Uma vontade de chegar com um segundo álbum com uma outra verdade, sempre trazendo à tona o tempo que a gente vive e nossas influências durante esse tempo. Eu fiquei muito feliz com o resultado de "Rasif", e de certa forma, essa vontade de saber como seria esse disco foi muito instigante.

Mas o segundo disco saiu e acabou que recebeu tantas críticas boas quanto o primeiro, ou até mais, você se apresentou fora do Brasil… Como tem sido a repercussão do trabalho? E como foram esses seus primeiros shows na Europa?

O "Rasif" já vem bem mais forte. É uma parceria muito forte minha com a (produtora) 78 Rotações, com o selo britânico Far Out, pelo qual saiu o disco, e uma turnê maravilhosa pela Europa, tocando nos principais clubes de jazz de lá, os clubes tradicionais, onde a gente teve um sucesso imediato. Aconteceram duas coisas que vale ressaltar em relação a esse segundo álbum, que são a unidade em grupo, o quanto o trio soa como trio, e as composições. Isso foi unânime em todos os lugares que a gente tocou, da Casa da Música (no Porto, em Portugal) ao Ronnie Schotts (em Londres), ao Jazzclub Unterfahrt (em Munique, na Alemanha) e ao Duc des Lombards (em Paris), todos falavam sobre isso. E isso me deixa muito feliz, porque não importante se a gente está aqui no Brasil, na China, no Japão ou na Europa, o importante é quando a gente entende o nosso lugar na música, entende o nosso propósito, entende a nossa verdade e consegue transformar isso junto dos parceiros. Ficou comprovado que, aqui no Brasil ou fora, as pessoas se emocionam do mesmo jeito. E aí acabando tendo, mais ainda, críticas internacionais e nacionais e várias listas de melhores discos. Isso me deixa muito, muito orgulhoso desse trabalho.

A cantora Isadora Melo é nome de destaque da atual cena pernambucana. Foto: divulgação/Flora Negri

Seu show com a Isadora é um trabalho diferente. Vi que vocês se aproximaram quando fizeram o show "Nova cena pernambucana", no Rio 2C e no Festival de Inverno de Garanhuns (FIG). Como surgiu a ideia de se apresentarem juntos? Quem for no Manouche vai ver o quê? Como vocês foram construindo o repertório e pensando o show?

Eu já conhecia Isadora e Isadora também já me conhecia. Só que nesse projeto que uniu alguns artistas pernambucanos foi onde a gente teve uma proximidade maior, foi onde esse surgiu o interesse em fazer esse show. Já admirava muito a voz dela, a particularidade do canto dela, e ela também o meu jeito de tocar, e a gente estava querendo fazer um trabalho que fosse de igual para igual, sem que o canto ficasse em prestígio maior que o piano ou o piano em prestígio maior que o canto. Enfim, um trabalho de entrega, por isso que nosso espetáculo se chama "Quadrilosseres": são quatro elementos, quatro seres soando em uma única frequência: o piano, o meu corpo, o corpo de Isadora e a voz de Isadora. A gente desenvolveu esse conceito de viajar um pouco no universo um do outro, então ela viaja um pouco nessa coisa da improvisação, da composição espontânea, e eu viajo muito na onda dela mesmo, do lirismo, da afinação, das notas longas. E tem também um sentido político o show, tem um posicionamento em algumas questões. Tem um poema que Isadora fala sobre ser mulher negra, tem músicas em espanhol, porque a gente está querendo ressaltar como é interessante que haja essa proximidade com os nossos hermanos, que estão tão perto, mas a gente se conecta muito mais com a Europa, com os Estados Unidos, e não tanto com os países vizinhos: a Colômbia, Argentina, Peru. Então a gente traz duas músicas de autores sul-americanos. Também uma composição do Amazonas, querendo ressaltar essa coisa do Norte, que é o lugar do Brasil ao qual há um difícil acesso. E também a gente, como vizinho, porque mora no Nordeste, se conecta muito mais com o Sudeste do que com o Norte, que está do nosso lado. Algumas composições que trouxessem essa coisa do cantautor pernambucano e algumas músicas que compõem também o álbum de Isadora. Então a gente toca Zé Manoel, Juliano Holanda, pela primeira vez estamos trazendo uma composição de Isadora, "Antes de ir". Acho que o público pode esperar uma música que seja um pouco improvisada, que tenha um pouquinho de experimentalismo, às vezes tem cara de MPB — mas não é. Vamos jogar conforme o jogo. A gente quebrou alguns padrões de estética tradicional de voz e piano, na verdade, vai se apoiando um no outro e criando coisas que sugerem criatividade, experimentalismo, e isso é muito da hora, do momento.

O que te fez querer trabalhar com a Isadora, além da voz dela, obviamente? Recife tem ótimas cantoras, mas algo aproximou vocês. O que foi, exatamente?

É porque Isadora traz um canto muito particular, diferente das outras cantoras que a gente tem em Recife. E eu trago um toque no piano que talvez seja particular no Brasil. Eu achei que poderia ser muito interessante a gente juntar as duas coisas. Em Recife a gente tem cantoras que são voltadas para o frevo, podemos pensar nesse sentido, as cantoras de carnaval… E temos também cantoras desse circuito mais indie, como Karina Buhr, que vai para uma onda mais independente, mais alterna. Isadora tem aquela característica da afinação, do lirismo da voz, daquela voz bela. Eu sabia que ali a gente poderia partir para outras coisas. Não só a canção, a forma da intérprete na Isadora, mas também trazer ela para a improvisação, de usar a voz com outras características, porque essa coisa da afinação ela já tinha absurdamente, então improvisar, usar o ruído da voz, a expressão, a raiva, a alegria, o canto aberto. Eu via essa coisa em Isadora e saquei que isso era especial com o que eu estava fazendo no piano. Eu acho que esse casamento deu muito certo.

Vai lá:
Amaro Freitas e Isadora Melo
Quando: Terça-feira, 15 de janeiro, às 21h
Onde: Manouche (Casa Camolese). Rua Jardim Botânico, 983 – Jardim Botânico. Telefone: (21) 3514-8200
Quanto: R$ 30 (meia-entrada), R$ 40 (com 1kg de alimento não perecível) e R$ 60

Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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