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'Minha mensagem é contra o levante reacionário', diz Rodrigo Brandão

Kamille Viola

10/01/2019 09h30

Rodrigo Brandão faz o primeiro show do disco. Foto: divulgação

De 1998 a 2010 à frente do grupo de hip hop Mamelo Sound System e envolvido em diversos projetos no meio desse caminho, o cantor e compositor paulista Rodrigo Brandão lançou no fim de 2018 seu primeiro álbum solo, "Outros barato", com produção de Thiago França (do Metá Metá) e Daniel Bozio. Agora, ele apresenta pela primeira vez no Rio o show do disco nesta quinta-feira (10) no Audio Rebel.

No trabalho, gravado em apenas três sessões, ele conta com a participação de 16 artistas, entre eles de Pupillo, Juçara Marçal, Tulipa Ruiz, China, Guizado, Guilherme Granado, Maurício Takara e Marcos Gerez. Spoken word (estilo em que letras são declamadas, em vez de cantadas, junto à música) e improviso dão a tônica do disco, com teor altamente politizado. 

Nenhuma apresentação vai ser igual à outra. A banda vai sempre variar entre os músicos participantes do álbum. No Rio, Brandão será acompanhado por Thiago França, do Metá Metá, (nos sopros); Granado (sintetizador e percussões) e Gerez (baixo), do Hurtmold, e Ricardo Pereira (percussão). Nos dias 7 e 8 de fevereiro, ele leva o show ao Sesc Pompeia, em São Paulo. Brandão conversou com o blog sobre a nova fase.

Você lançou seu primeiro álbum solo no fim do ano passado. Esse é o primeiro show do disco?

Por conta dessa conexão de ideia mesmo, de intuito na vida com o pessoal da Audio Rebel e do (projeto) Quintavant, a gente entendeu que o Rio é o lugar certo para fazer o primeiro show oficial do disco, mesmo antes de fazer em São Paulo. Resolvemos fazer a coisa de um jeito mais orgânico. Quando saiu o álbum, em vez de sair fazendo show de lançamento, a gente falou: "Deixa ecoar um pouco, deixa as pessoas escutarem, é um disco que é mó denso, tem muita ideia, então deixa o pessoal conhecer, e aí a gente leva para o palco."

E como vai ser a banda que vai te acompanhar no palco? Vão ser os mesmos músicos do disco ou você montou um grupo só para o show?

Lá em São Paulo está rolando uma cena com bastante músico que tem a manha de improvisação. Isso tem acontecido muito. E, no meu entender, é uma coisa que faz muito sentido com o negócio de, cada vez mais, a gente estar buscando coisa orgânica. Você tem movimento Slow Food, você vê as pessoas fazerem livro e disco em tiragem limitada, numerada e assinada. Acho que essa coisa do elemento humano, as pessoas estão gritando por isso. Quem está atento está cada vez menos interessado em comer o produto embalado da indústria. Por conta disso tudo, no disco tem 16 músicos participando, mas não é todo mundo ao mesmo tempo. Dentro dessa gama de músicos, a gente tem várias formações que vão se alternando para que realmente aconteça o negócio de ser improvisado, mas que tenha uma sintonia que garanta o resultado. E aí, dentro disso, vai ser uma formação com um quarteto tocando comigo: o Thiago França, do Metá Metá (sopros), que é o produtor do disco; dois do Hurtmold, que são o Guilherme Granado, que toca synth e percussões, e o Marcos Gerez, que é o baixista; e o Ricardo Pereira, percussionista, também conhecido pela alcunha de Black Snake 808, que é um trabalho que ele tem de música eletrônica. É todo mundo parte dessa mesmo comunidade. A única pessoa que não está no disco é o Ricardo, mas porque a gente se conectou e começou a tocar junto depois que o álbum já estava pronto. Com certeza num próximo registro ele vai fazer parte.

Isso significa que cada show que você fizer vai ser completamente diferente dos outros, né?

É exatamente essa ideia. Até por conta de que a pessoa que vai estar lá e o dia dela não vai ser igual. Ela escolheu estar lá, e a gente vive os dias, e eles não são iguais. Pelo menos a gente busca que não sejam (risos). Então eu acho que faz sentido. O único compromisso que nós temos é de tentar traduzir o espírito daquele dia e daquele lugar onde a gente está. Eu acho que acaba sendo também mais honesto com quem vem escutar.

Você fez o disco a partir de live sessions e gravou em pouco tempo, três sessões. Em que você se inspirou? A gente tem alguns trabalhos na música brasileira que foram feitos assim, aquilo disco "Gil & Jorge" (de Gilberto Gil e Jorge Ben, lançado em 1975), me veio logo à cabeça porque é um trabalho que surgiu também espontaneamente…

Cara, "Gil & Jorge" sempre vai ser inspiração, com certeza, mas também, para mim tem referências tipo Gill-Scott Heron, isso é o arroz com feijão da onde a gente se alimenta. Mas também tem a ver com o negócio cotidiano. Que é essa vida: para ficar ensaiando hoje em dia, muitas vezes, você pega um ensaio de duas horas, chega lá, metade da banda se atrasou, pegou trânsito, o outro cara não conseguiu parar o carro… Quando vê, no fim das contas, daquelas duas horas você ensaiou 20 minutos. E aí fica aquele negócio: "Poxa, mas a gente não ensaiou tanto, como é que vamos fazer amanhã para lembrar?". Essa coisa de ser improvisado é muito libertadora. Lógico que tem essas fontes, e esses caras pautam o que a gente faz, e óbvio que a gente ama (John) Coltrane e Albert Ayler, e tudo isso. Mas também tem essa história de buscar um jeito viver a música de uma maneira que ela não passe muito pela questão sofrimento, de se fuder para fazer aquilo. E o seu negócio vai mais dionisíaco nesse lado de "vamos viver e ser felizes". E a música também tem que ter um jeito de você viver feliz fazendo ela. E aí óbvio que tem as coisas que não são exatamente música feita com improviso, mas que têm um espírito livre o suficiente para inspirar a gente a buscar isso, tipo "Krishnanda" (o disco mítico de Pedro Santos, de 1968), muita coisa de música brasileira, mesmo "Os Afro-Sambas" (de Baden Powell e Vinicius de Moraes, de 1966), que tem às vezes a voz da Beth Faria, gente que não era profissional cantando, no final acho que tem um pouco a ver com isso, com quebrar a formalidade da coisa sem de forma alguma diluir a essência. Acho que até, muito pelo contrário, é o bagulho de levantar a bola da essência em si.

Essas referências, o spoken word, nada disso é novidade. Por que justamente agora você quis fazer um trabalho dessa forma? O que acabou te levando para isso?

Eu sinto que a gente está vivendo uma época de uma urgência gritante. Por conta disso, fiquei com um sentimento no peito por algum tempo de que o rap já não estava dando conta de passar a ideia. Porque muitas vezes a pessoa fica mais voltada para a batida, para dançar. Muitas vezes fica mais voltada para a levada, o flow, a divisão rítmica que o MC está usando. E, no fim das contas, a coisa mais forte que você podia passar, a mensagem — já foi isso, você pega: por que Racionais é essa grande lenda até hoje? Porque as pessoas captavam a mensagem. Ela era passada de uma forma realmente muito foda e era captada. E é nisso que reside a força. Então, na hora em que eu comecei a perceber que você podia estar dando a ideia mais louca que fosse, mais necessária que fosse na rima e muitas vezes acabava passando batida por conta disso, eu fiquei naturalmente voltado para uma forma na qual mensagem pegasse de uma maneira mais gritante, mais direta. Nesse som, óbvio, tem um monte de camada musical. Mas a mensagem está sendo realmente priorizada. E aí para mim foi mais isso: tem muita coisa que precisa ser dita, que precisa ser comunicada e, já que as armas de distração em massa estão cada vez maiores — tipo assim, às vezes você recebe um email com toda a informação do negócio e você pergunta para quem te mandou que hora vai ser o show. Porque você não leu. E não é que você não leu porque você não quis, eu sinto que tem um zeitgeist de distração e acho que a missão dessa história é vir num rolê oposto a isso.

(Uma voz invade o áudio: água, água, água, cerveja…)

Nossa, você já está no Rio?

É por causa disso também, sabe? Como teve oportunidade, a gente falou: poxa, vamos tentar chegar um pouco antes, porque é outra cidade, é outra energia, outro funcionamento, então não custa chegar e tentar vibrar na mesma sintonia da cidade, para que daí a comunicação se passe de maneira mais direta mesmo, sabe? Muito fácil também descer do avião e tentar conectar e não conseguir, né? Chegando São Paulo, só tempestade naquela porra, tá ligado? Então tem isso.

Sei. Vocês já estão aqui nesse calorzinho, se adaptando…

Coisa boa demais, meu.

Esse é o primeiro trabalho que você assina com o seu nome. Por que isso agora? Você acha que é um trabalho mais seu?

O meu natural é mais coletivo. Eu acredito mais em coletivo sempre. Prefiro que as coisas sejam coletivas. Nesse caso, o que acabou acontecendo foi assim: eu já estava fazendo isso há um tempo, nesse mesmo esquema, sempre improvisado, sempre com formação variável. E chegou uma hora em que o Thiago França recebeu um convite para ser curador de uma série de gravações de discos da RedBull em São Paulo. E a única regra era que tinha que ser artista estreante. E aí ele falou: "Você nunca lançou um disco com o seu nome. Dessa maneira, você é um artista estreante." Aí eu disse: "Então está bom." E por conta disso acabou ficando com o meu nome. E porque, no final das contas, não foi planejado, mas depois que acabou tomando esse caminho, a gente também entendeu uma coisa: se a formação varia e eu estou lá, tudo bem, você não vai estar mentindo para ninguém, "pô, eu vim ver essa banda, sei lá, fui no show do Metá Metá, mas o Kiko Dinucci não está, mó mancada". Se está só no meu nome, quem está comigo na hora está valendo, não vai ter um negócio que a pessoa que for ouvir vai se sentir lesada por não ter necessariamente aquele mesmo número de músicos. Eu acho que facilita, fica mais maleável de acontecer. É essa mesma busca de liberdade, sabe? De falar: "Beleza, nós somos camaradas, mas todo mundo faz mais de um som, todo mundo participa de mais de uma formação hoje em dia." E aí você liga: "Vai ter um show no Rio, apareceu essa data, legal para caramba." "Putz, mas o Fulano não pode." "Ah, então não vamos fazer…" Mano, eu quero fugir disso. Deixa fluir. Vamos seguir o máximo possível no fluxo da força da natureza. E aí esse tipo de formação maleável facilita muito nessa hora também. Mas isso foi mais uma coisa que gente descobriu ao longo do caminho. Acabou que isso saiu mesmo por causa dessa condição para que a gravação acontecesse.

Mas no fim acaba sendo real, porque é uma onda sua.

É. E, ao mesmo tempo, se mantém coletivo, porque, mesmo se no próximo show não for a mesma formação exata, vai ter gente junto, e quando tem improviso, não pode ter esse negócio de ego. Improviso tem que ser todo mundo junto, como numa gangue, para poder fazer acontecer para todo mundo que está assistindo. Eu sinceramente acho que, cada vez mais, esse show desse disco tem menos uma coisa de palco e plateia, nós e vocês. É "nós", e quem está junto vai influenciar, quem está assistindo vai influenciar. E acho que a gente está no Brasil numa época em que está na hora de se tocar de ficar cada vez mais junto. Se a sintonia e a energia e as ideias têm a ver, tem que estar junto. E não pode ter essa coisa de: ah, está no palco, está na plateia, está no camarim. Não, todo mundo é a mesma coisa, vamos ficar junto, que é assim que a gente vai ser forte. Acredito nisso.

O Thiago produziu o disco, e ele é de uma geração depois da sua, e o disco tem artistas dessas duas gerações. Eu posso dizer que o Pupillo e o China, por exemplo, são da sua geração, e a Juçara, o Thiago são de outra. Como foi trabalhar com o Thiago e como você acha que a sua geração conversa com a delas, que tem a ver com essa cena da Audio Rebel que você citou?

Eu não acredito muito em nada que é forçado, que é forjado. Eu sempre acho que é meio castelo feito de areia. Então, eu sempre procuro fazer as coisas com quem é amigo, com quem tem espontaneidade na conexão e na relação. O Thiago já é meu amigo faz dez anos. A gente se conheceu em 2008. As coisas vão acontecendo, e as relações vão se formando. E eu acho que esse jeito é o mais verdadeiro e que isso passa na música também. Se não fosse verdadeira a nossa relação, a nossa amizade, a gente não ia estar apto a improvisar, porque ia soar fraco, ia soar mentiroso, as pessoas iam perceber. Ele é um cara que, desde que nós nos conhecemos, já nos demos bem, os dois são macumbeiros, os dois têm uma ligação muito forte com a sonoridade da diáspora negra em geral, seja a para do jazz mais livre seja a parada do hip hop mais barulhento, e a gente também não faz distinção entre esses tipos de som. Então, no fim das contas eu acho que eu entendo o que você está falando de geração, eu concordo com isso, mas também tem um outro lado que para mim é tipo: "Mano do céu, onde é que esse cara estava? Por que não tem um Audio Rebel desde 1991 (risos)?". Eu acredito mais num bagulho de uma tribo de sintonia universal. Mais do que até num negócio de idade. Quem tem a ideia que bate acaba se encontrando, acaba ficando junto, acaba fazendo parada junto.

Nem pensei tanto pela idade, mas acho que as coisas que vão acontecendo na mesma época muitas vezes se influenciam musicalmente. Foi nesse sentido.

Com certeza tem a ver. Tanto que uma vez pediram para eu escrever um texto para o lançamento em vinil do primeiro disco do Kino Dinucci. E aí, quando eu fui escrever, fui tentar lembrar da época, para tentar pegar o astral do que era, e teve um momento em que eu me sentia tipo o macumbeiro solitário do rolê do subterrâneo de São Paulo. Até que apareceram esses caras. O Kiko, o Thiago, a Juçara, e tudo mundo que veio, Rodrigo Campos, é uma galera que já chegou batendo no mesmo tipo de ideia: é fugir do clichê, é fazer um negócio que realmente tem esse elemento africano gritando, mas também sem virar, como é o nome daquele negócio? Afrobeat universitário (gargalhada). Buscar o jeito de fazer as coisas pelos caminhos não óbvios. Com o máximo, extremo amor ao Paulinho da Viola, eu me sinto um pouco mais próximo no jeito de fazer as coisas, de observar do Jards Macalé. E essa coisa um pouco mais maldita no Brasil sempre foi muito marginalizada e, com essa rapaziada, começou a quebrar, começou a parar um pouco, Itamar Assumpção começou a ser valorizado, e por aí afora. E junta com esse negócio dos discos brasileiros antigos que passaram batidos na época serem descobertos e reconhecidos. Hoje em dia você vê um maluco tipo o (Arthur) Verocai ter um valor que não recebeu na época. Ele já foi extremamente maldito e hoje em dia tem um pouco mais de reconhecimento. A coisa do maldito no Brasil passou a ser mais um elogio do que uma condição de isolamento. Quando você fala: "Pô, os malditos que nem o Tom Zé, o Macalé", você diz: "Tô com esses aí, esses caras aí são massa".

Você falou que a ideia nesse trabalho foi que a mensagem ficasse acima de qualquer distração. Qual a mensagem que você quis passar com o disco?

Sinceramente, eu acho que é parar com o bagulho reacionário, é a gente evoluir, estar junto, ser feliz, não ficar apontando o dedo para os outros. Para mim tem a ver com isso. Ficar querendo reprimir a pessoa porque é viado, mano, vai se fuder, deixa as pessoas serem felizes, caraio! O principal passa por isso daí. É um negócio que acabou surgindo espontaneamente de ser meio reativo à onda reacionária, abaixo o levante reacionário.

Por que você quis batizar de "Outros barato"?

Porque já não é mais rap, já é outros 'barato'. Eu cantei rap a vida inteira. Eu também não quero que as pessoas peguem: "Caramba, fui querer ouvir um rap, o bagulho é esquisito…". Vamos deixar claro, vamos explicar direitinho o que é, para não esconder nada de ninguém, não enganar ninguém (risos).

Por falar nisso, o Mamelo Sound System acabou, mas você sempre tem mil projetos. O que está rolando além do seu disco solo?

Nesse instante, eu estou bem voltando para isso daí mesmo. Tem uma outra história que ainda rola, que é um negócio chamado Brookzill. É com o Prince Paul, que produziu o De La Soul, e a Ladybug (Mecca), MC do Digable Planets. É hip hop, som do Brooklyn, com coisa do Brasil. A gente fez um disco ("Throwback To The Future", de 2016), lançou e estamos conversando de fazer um próximo. Mas neste momento eu estou amando fazer (música) desse jeito, está muito louco, está muito gostoso, então estou mais nessa aí mesmo, as outras coisas eu estou dando uma empurradinha com a barriga para poder ficar concentrado nisso.

Vai lá:
Rodrigo Brandão
Quando: Quinta-feira, 10 de janeiro, às 20h
Onde: Audio Rebel. Rua Visconde Silva, 55 – Botafogo
Quanto: R$ 25 (antecipado) e R$ 30 (na hora)

Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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