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Santa Teresa de Portas Abertas aposta na democratização da cultura

Kamille Viola

31/08/2018 14h34

Público em um ateliê. Foto: divulgação

Um dos mais charmosos bairros do Rio, Santa Teresa é chamada de "a Montmartre Carioca", em referência ao famoso bairro de Paris, já que ambos possuem em comum, além das características geográficas (estão no alto), uma grande profusão de artistas e boêmios vivendo lá. Neste fim de semana, as ruas do lugar serão tomadas pela 28ª vez pelo Santa Teresa de Portas Abertas, em que artistas abrem seus ateliês e convidam o público a visitá-los, conhecer seus processos e participar de conversas.

O evento também acontece nos espaços culturais da região e terá intervenções urbanas, música e performances. Os bares e restaurantes da vizinhança também fazem parte do roteiro. A abertura é neste sexta (31.08), no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo (Rua Monte Alegre, 306).  Também lá, haverá atrações como troca de livros (quem levar um poderá trocá-lo por outro) e a apresentação do espetáculo "O último delírio de Van Gogh", com ator Rafael Mannheimer, nesta sexta e sábado, às 16h. O encerramento acontece no domingo, dia 2, às 19h, no Largo das Neves, com o Maracatu Baque Mulher. Confira a programação completa.

Para Alexandre Palma, presidente da Chave Mestra, Associação de Artistas Visuais de Santa Teresa e realizadora do evento, o mais importante é a possibilidade de democratização da cultura. "O imaginário social ainda consagra os museus de portas fechadas. Aqui no Arte de Portas Abertas, a experiência única dos ateliês oferece a não distinção entre público e criadores", conta. Confira abaixo entrevista que fiz com ele.

O Rio está passando por uma grave crise. Qual a importância de se realizar o Santa Teresa de Portas Abertas num momento como esse?
A opção pelo evento é uma resposta dos artistas a essa enorme contradição brasileira. Uma contradição brasileira que atravessa as artes visuais e também as diferentes linguagens e manifestações artísticas: apesar de todo carioca se relacionar com a arte em suas múltiplas expressões, ainda temos restrições no plano das políticas culturais. No entanto, mesmo com um momento de incertezas após um período de avanço democrático no Brasil, ainda há a Santa Teresa de memória que insiste em se manter bela como a cidade do Rio de Janeiro.  É a Santa Teresa de Djanira, Roberto Moriconi, Inimá de Paula, Mestre Messias até chegar hoje ao coletivo de artistas visuais da Chave Mestra.

O Solar Mariano é um dos espaços que participam. Foto: divulgação

A cidade também tem sofrido com o aumento progressivo da violência. Qual a importância de ocupar as ruas do bairro em um contexto com esse?
A 28ª edição é oferecida para a população em um momento de grande adversidade para a cidade Rio de Janeiro e é uma aposta na tradição do evento, ao mantermos as portas abertas dos ateliês e também nos renovarmos, no diálogo com o contemporâneo e também observarmos a necessidade de articular arte, direitos humanos e responsabilidade social. Por isso a nossa parceria com o Projeto Pontes de Saberes, que chega em Santa Teresa com a opção de realizar oficinas para homens e mulheres em vulnerabilidade social. Essa proposta é uma retomada aos ideais de ocupação do evento em suas primeiras edições nos diferentes territórios urbanos frente a um momento de crise. Ocupação com arte, como nos sinalizaram Xico Chaves e Martha Niklaus, dois artistas visuais importantes e que integraram como convidados a Comissão de Ocupação da convocatória "Arte e resistência". Com as ocupações, com essas intervenções urbanas propostas, o evento oferece uma resposta não apenas simbólica, mas também concreta no plano artístico porque o olhar da arte contemporânea também é cidadão, ao problematizar determinados guetos conceituais.

É a 28ª edição do evento. Quais foram os elementos que possibilitaram essa longevidade?
Tem muito a ver com a ativa participação dos artistas sócios da Chave Mestra, Associação dos Artistas Visuais de Santa Teresa, os grandes protagonistas, e também a população da cidade do Rio de Janeiro que prestigia este evento em sua 28ª edição. Não temos nesta edição nenhum tipo de patrocínio, somente apoios colaborativos de órgãos privados, artistas, espaços culturais e empreendedores do bairro.

Do ano passado para cá temos vivido momentos de ataques a trabalhos artísticos no Brasil. Como o Santa Teresa de Portas Abertas se posiciona em meio a esse cenário?
O mais relevante nas inúmeras abordagens artísticas é a possibilidade de democratização da cultura. Mesmo com as recentes mudanças nos circuitos museológicos, o imaginário social ainda consagra os museus de portas fechadas. Aqui no Arte de Portas Abertas, a experiência única dos ateliês oferece a não distinção entre público e criadores. Nessa vivência proporcionada pelos artistas, desconstruímos e aprendemos diferentes maneiras de se relacionar com a arte. Isso é muito importante para novos significados sobre o lugar social da arte e do artista. E também para a reflexão sobre determinados preconceitos em relação à arte. Essa frase do sociólogo Jean Duvignaud no livro "La genèse des passions dans la vie sociale" ("A gênese das paixões na vida social", em tradução livre) norteia o evento e é fundamental para compreendermos possíveis olhares sobre a arte e o Brasil a menos de 45 dias das eleições de outubro: "Ligamo-nos a um amigo e, em seguida, o achamos inteligente. O amor dedicado a uma mulher faz que a achemos bela. A causa que recebe a nossa adesão legitima a sua justeza. Deixamo-nos fascinar por uma obra de arte, e ela nos parece estética."

Vai lá:
Santa Teresa de Portas Abertas
Quando: Abertura: Sexta, 31.08, às 18h (Centro Cultural Laurinda Santos Lobo. Rua Monte Alegre, 306). Sábado e domingo, 1º e 2 de setembro, das 10h às 18h.
Onde: Santa Teresa
Quanto: Grátis

Sobre a autora

Kamille Viola é jornalista, com passagens e colaborações por veículos como O Dia, O Globo, O Estado de S. Paulo, Billboard Brasil, Bizz e Canal Futura, entre outros. Nascida e criada no Rio, graças ao jornalismo já andou pelos mais diversos cantos da cidade.

Sobre o blog

Do pé-sujo mais tradicional ao mais novo (e interessante) restaurante moderninho, do melhor show da semana à festa mais comentada, este blog busca fazer jus à principal paixão do carioca: a rua.

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